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10/09/2019

Tratamento de câncer por radioterapia deficiente, sete réus e nenhum culpado

Por Eduardo Velozo Fuccia

A utilização de equipamento de radioterapia para o tratamento de câncer em condições inadequadas, ainda que coloque em risco a vida de pacientes, por si, só não caracteriza crime.

A juíza Elizabeth Lopes de Freitas, da 4ª Vara Criminal de Santos (SP), teve esse entendimento para absolver sete pessoas processadas por crime contra a saúde pública. A sentença de 30 páginas foi proferida no último dia 3.

Segundo a magistrada, “sob a ótica do Direito Penal”, os réus não praticaram os crimes descritos na denúncia do Ministério Público (MP), devido à inexistência de dolo (intenção) e pela não comprovação de eventual conduta culposa decorrente de negligência.

No entanto, a juíza destacou que a saúde pública é direito de todos e dever do Estado, “garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos, e ao acesso universal e igualitário a ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Entre os inocentados estão Ademir Pestana e Mário da Costa Cardoso Filho, respectivamente, presidente e diretor-clínico do Hospital Beneficência Portuguesa de Santos.

Os serviços de radioterapia ocorriam nas dependências da Beneficência, que terceirizou esse tratamento de câncer à Clínica Unirad, dos sócios Hilário Romanezi Cagnacci e Paulo Eduardo dos Santos Novais, outros corréus.

Os demais acusados são Osanna Esther Codjain de Morais Barbosa, Moisés Mendes e Rosana Aparecida Gonçalves Ambrózio.

‘Fantástico’ noticiou

O episódio na radioterapia da Beneficência Portuguesa foi denunciado em 2009 pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) – Núcleo Santos.

O caso teve grande repercussão na época e veio a público por meio de reportagem exibida no programa Fantástico, da TV Globo.

De acordo com a acusação do grupo especial do MP, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), em 2006, constatou irregularidades na bomba de cobalto usada no tratamento de câncer.

Ainda conforme a denúncia, até março de 2009, o aparelho continuava em funcionamento, apesar da constatação feita pelo Cnen (autarquia federal vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia) e de relatório de inspeção feita em outubro de 2008 pela Vigilância Sanitária. Este órgão não havia autorizado a atividade.

Segundo o Gaeco, irregularidades na pastilha de cobalto e na bomba usada para emitir radiação para combater o câncer reduziram a capacidade terapêutica do tratamento de pacientes particulares, de convênios médicos e do Sistema Único de Saúde (SUS). Desse modo, o serviço apresentava “alto risco” à saúde pública.

Sentença

Em relação a Ademir Pestana, Mário Cardoso, Osanna, Moisés e Rosana, a juíza observou que eles “não realizaram as condutas criminosas descritas na denúncia, pois não administravam o serviço de radioterapia e, portanto, não tinham como saber detalhes do tratamento realizado nem tampouco a existência das deficiências”.

“A justiça foi restabelecida. O próprio representante do Ministério Público que participou da fase de produção de provas reconheceu a ausência de crime, conforme sempre sustentou a defesa. Sem ser o mesmo que elaborou e ofereceu a denúncia, ele pediu a absolvição dos réus”, disse Eugênio Malavasi (na foto), advogado de Ademir Pestana e Mário Cardoso.

O MP chegou a pedir a prisão preventiva dos sócios da Unirad, mas a Justiça negou. A magistrada reconheceu que, “com o passar do tempo, o já obsoleto equipamento teve sua capacidade terapêutica reduzida, tendo esses réus dado continuidade aos tratamentos sem que fosse realizada a substituição da pastilha de cobalto”.

Hilário Cagnacci e Paulo Novais justificaram que a continuidade do serviço seria menos prejudicial à população do que a desativação do serviço de radioterapia prestado na Beneficência. Eles salientaram que não houve prejuízos ao tratamento, pois fizeram novo cálculo sobre o tempo de exposição dos pacientes à radiação e a distância deles do equipamento.

Em busca de “informações pormenorizadas”, a juíza visitou o Setor de Radioterapia e Oncologia do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Embora as condições descritas na denúncia não fossem as ideais para o tratamento por radioterapia, a magistrada se convenceu que o recálculo da aproximação dos pacientes e do aumento do tempo de exposição não causou prejuízos.

Elizabeth de Freitas sentenciou que não ficou caracterizado dolo dos sócios da Unirad em gerar perigo ou prejuízos às pessoas submetidas ao tratamento na bomba de cobalto, porque continuaram, “ainda que de forma paliativa e precária”, prestando o serviço.

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