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17/02/2023

Juiz propõe realização de júri híbrido, defesa se insurge e sessão é adiada

Por Eduardo Velozo Fuccia

A proposta de um juiz para que um acusado de homicídio fosse submetido ao tribunal popular em sua sala de audiências e de maneira híbrida (presencial e remota), na última quarta-feira (14/2), desagradou a defesa do réu. Diante do impasse, o magistrado dissolveu o conselho de sentença e redesignou a sessão para daqui sete meses.

“Se a sessão fosse realizada no molde proposto, além fugir da liturgia do júri, ela violaria os princípios constitucionais da plenitude de defesa e da publicidade”, protestou o advogado Mário André Badures Gomes Martins. Também atuam na defesa do réu os advogados Lívia Machado Vianna, Patrícia Cristina de Britto Moita e Octávio Rolim de França Pereira.

O modo sugerido pelo juiz Rafael Carvalho de Sá Roriz, da Vara do Júri de Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo, foi justificado por ele na ata da sessão: “o salão do júri desta comarca encontra-se interditado por ordem da Direção da 1ª Região Administrativa Judiciária (RAJ) após intempéries do início do mês que fizeram ceder o telhado da sala”.

Em virtude da interdição do salão do júri por causa dos estragos causados pelas chuvas, Roriz explicou que houve, sem êxito, “tentativas logísticas de realizar as sessões em outros espaços fora deste edifício, até aqui”. Como solução, “a fim de não postergar ainda mais a pauta de plenário”, o magistrado pretendeu realizar o julgamento popular em sua sala de audiências (foto principal).

Devido à limitação física da sala, apenas um advogado poderia nela permanecer, além dos jurados, da representante do Ministério Público e, obviamente, do presidente da sessão. Aos demais defensores constituídos foi facultada a possibilidade de acompanharem o júri em outra dependência do fórum por sistema virtual.

O mesmo tipo de acompanhamento remoto seria destinado ao acusado, apesar de ele ter sido levado do presídio ao fórum para participar presencialmente do júri. De acordo com o magistrado, no recinto no qual ficaria, o réu poderia contar com a assistência de um dos seus advogados. A sua condução à sala de audiência ocorreria apenas no momento do interrogatório.

Preventiva mantida

Após se manifestar sobre o “cerceamento de defesa” que o acusado sofreria, Badures afirmou, conforme consta da ata, que apenas soube da interdição do salão do júri pouco antes da sessão, por funcionários do fórum, sendo momentos depois anunciada a intenção de se transferir os trabalhos para a sala de audiências do juiz.

“A defesa técnica se insurge contra essa dinâmica, levando-se em consideração a surpresa que, em nenhum momento, os defensores foram comunicados dessa questão inusitada e atípica”, declarou Badures. O advogado também disse que a “ausência do espaço físico condizente a toda sistemática do tribunal do júri não pode, definitivamente, ser imputada ao réu”.

Devido à redesignação da sessão para daqui sete meses, a defesa requereu a revogação da prisão preventiva do acusado por excesso de prazo, alegando não ter dado causa ao adiamento. Ela também pleiteou o desaforamento por causa da impossibilidade de se realizar atualmente o júri no Fórum de Guarulhos. Ambos os pedidos foram negados.

Acionada pelos defensores, a Comissão de Prerrogativas da Subseção de Guarulhos da Ordem dos Advogados do Brasil compareceu ao fórum. Conforme a ata, um representante do órgão afirmou que “a realização de sessão plenária por meio de videoconferência ou híbrida fere frontalmente os direitos constitucionais do réu”.

A proposta do juiz para apenas um dos advogados participar presencialmente da sessão, enquanto os demais deveriam acompanhá-la por meio virtual, “fere frontalmente as prerrogativas profissionais, bem como os princípios da plenitude da defesa e do contraditório”, acrescentou o representante da OAB.

Crítica à advocacia

A promotora Carol Reis Lucas Vieira da Ros não se opôs à realização do júri na sala do juiz e nem vislumbrou prejuízo à defesa. “Diante desta situação excepcional, é absolutamente razoável que medidas excepcionais sejam adotadas para que não haja prejuízo ao julgamento do feito e o regular andamento desta vara especializada”.

A representante do MP lembrou que a pandemia da Covid-19 exigiu medidas urgentes e adaptações para viabilizar a continuidade da prestação jurisdicional. Segundo ela, graças à regulamentação das audiências virtuais pelo Conselho Nacional de Justiça, não houve o “colapso” do sistema judicial brasileiro.

“Fôssemos nós aguardar a anuência, sensibilidade e razoabilidade da advocacia brasileira, estaríamos até a presente data sem a realização de uma audiência sequer em todo território nacional, com prejuízos incalculáveis”, opinou Carol Ros, ao se referir à implementação do sistema remoto nos atos judiciais e à suposta relutância dos advogados.

Com base na manifestação dos advogados e no parecer do MP, o juiz decidiu adiar a sessão, na expectativa de que até a nova data o salão do júri de Guarulhos esteja liberado. “Arca a defesa com a causalidade da dilação do ato e assim redesigno a sessão para o dia 14/09/2023, às 13 horas, rejeitando o pedido de relaxamento e ainda o desaforamento”, concluiu Roriz.

Por meio de nota, a defesa não aceitou ser apontada como a responsável pelo adiamento. “É surreal essa inovação, sendo obrigação do Judiciário fornecer o mínimo de condições para se fazer cumprir a lei e observar as garantias do réu. A sociedade civilizada exige um julgamento imparcial e dentro da legalidade. Tudo que é inerente ao júri foi rasgado ao se implantar os trabalhos numa reduzida sala, confinando inclusive os jurados”.

Novo local

O episódio do último dia 14, bem como outros júris que ocorreram na sala de audiências seguindo o modelo sugerido pelo magistrado, motivaram a Subseção de Guarulhos da OAB a intermediar tratativas para viabilizar a realização dos futuros julgamentos populares em local adequado, enquanto o salão do júri da comarca estiver interditado.

Por meio de nota, divulgada na sexta-feira (17), a entidade informou que iniciou diálogo com as Justiças Estadual e Federal, sendo acolhido o seu pedido para que os júris daquela sejam realizados nas dependências desta, na Avenida Salgado Filho, 2.100, em Guarulhos, a partir do próximo dia 27.

“O Fórum da JF oferece segurança à advocacia, ao MP, aos magistrados, servidores e ao público em geral, além de contar com amplo espaço, propiciando o exercício pleno do direito de defesa”, diz o comunicado da OAB. O informe também parabeniza a Comissão de Prerrogativas na busca por uma solução ao problema.

* Texto atualizado às 11 horas de 18/2/23 para o acréscimo de informação.

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