Juiz arquiva inquérito contra Falcão por faltar intenção sexual em contato físico
Por Eduardo Velozo Fuccia
“Nem todo contato físico pode ser interpretado como ato libidinoso”. Com esse entendimento e também por não vislumbrar intenção de satisfazer a lascívia, o Ministério Público requereu o arquivamento do inquérito policial que apura crime de importunação sexual atribuído ao ex-jogador da seleção brasileira e ex-coordenador esportivo do Santos FC, Paulo Roberto Falcão, de 69 anos. A Justiça acatou o pedido.
“Não há no presente feito indícios de ocorrência de ilícito penal, de modo a justificar o prosseguimento destes autos, não sendo possível concluir que o investigado tenha praticado em face da vítima ato libidinoso, com o objetivo de satisfazer a própria lascívia, fato típico este descrito no artigo 215-A do Código Penal (importunação sexual)”, anotou o juiz Leonardo de Mello Gonçalves, da 2ª Vara Criminal de Santos.
Falcão foi acusado pela recepcionista de um flat de importuná-la nos últimos dias 2 e 4 agosto. Nessas ocasiões, ele era coordenador esportivo do Santos e residia no local. Com 26 anos de idade, a jovem relatou na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) da Cidade que o ex-jogador, a pretexto de visualizar um monitor com imagens de câmeras de segurança, entrou em área restrita a funcionários e “roçou” o pênis no braço dela.
Intimado a depor na DDM, o acusado negou a acusação. Segundo ele, se em algum momento tocou na recepcionista, jamais teve a intenção de praticar qualquer ato libidinoso. Justificou que, nas duas ocasiões, entrou na recepção para visualizar o monitor e verificar se um colega de trabalho, também hóspede do flat, já estava a caminho da portaria, pois iria com ele ao clube em um carro de transporte por aplicativo.
A pedido da Polícia Civil, a gerência do flat forneceu as imagens captadas por uma câmera instalada na recepção. Uma delegada analisou as filmagens e requereu perícia. O promotor Rogério Pereira da Luz Ferreira também examinou os vídeos, confrontando-o com o relato da recepcionista. A conclusão do representante do MP foi a de que não houve o delito, mas sem colocar em xeque a credibilidade da suposta vítima.
“O Ministério Público do Estado de São Paulo acredita que ela não mentiu à autoridade policial, mas certamente interpretou o fato de uma forma ofensiva, mas que não pode ser tido como o crime do artigo 215-A do Código Penal”, observou Ferreira. Segundo ele, as imagens mostram que o investigado entrou em área exclusiva da funcionária e se aproximou dela por trás, mas isso, por si só, não caracteriza o crime.
“O tipo penal exige que o autor realize contra a vítima um contato que constitua ato libidinoso, e não um mero contato físico, ainda que inapropriado. Mas não é só isso. A Teoria Finalista da Ação exige o elemento subjetivo, isto é, a atuação finalisticamente dirigida à realização do tipo penal. Nesse caso, o tipo penal exige a atuação com o objetivo de satisfazer a própria libido”, completou o promotor.
O laudo pericial apontou uma imagem que mostra um “contato físico” entre o hóspede e a recepcionista, mas sem sugerir eventual intenção libidinosa do averiguado. A perícia não constatou qualquer indício de edição das filmagens. “As pequenas interrupções foram causadas pela forma como o sistema opera, ligando e desligando quando existe movimento ou ele cessa. Portanto, não existe fraude nesses vídeos”, frisou o promotor.
Idêntica leitura dos fatos teve a delegada responsável pelo inquérito. Ao final da investigação, ela não encontrou elementos aptos para indiciar Falcão. Segundo o representante do MP, por ser uma mulher, essa autoridade policial possui “capacidade extra para interpretar o que pode representar comportamento de pessoa do sexo masculino, caracterizadora de efetiva importunação sexual”.
“A superficialidade e o contexto da conduta não permitem, de forma segura, extrair o elemento subjetivo da ação, isto é, o estado anímico do agente no desenvolvimento da conduta, para se identificar se presente o elemento subjetivo específico para a prática do crime que se apura”. Essa exposição da delegada consta do relatório final do inquérito, submetido à apreciação do promotor.
Em acréscimo ao relatório da delegada, Ferreira destacou no pedido de arquivamento que a funcionária do flat, nos dois supostos assédios sofridos, estava sentada em uma cadeira com encosto alto e apoio para os braços. “Tal anatomia constituiu uma barreira efetiva para a realização de um ato libidinoso”. Por esse motivo, segundo ele, o “reduzido contato” e a existência da “barreira” afastam a suspeita de importunação sexual.
A decisão que determinou o arquivamento do inquérito é da última quinta-feira (19/10). Segundo o juiz, o hóspede “foi inconveniente e certamente causou desconforto na vítima, situações essas que causaram por parte desta, a leitura do comportamento do investigado como sendo uma forma de assédio”. No entanto, os elementos trazidos pela apuração policial apontaram a atipicidade do fato.
“Em que pese a aproximação inadvertida do investigado junto à vítima, em local onde somente as pessoas que trabalham no condomínio, onde ele residia, deveriam ter acesso, ressalto que tal contato, ainda que tenha acontecido, não é capaz de ser caracterizado como fato típico previsto no artigo 215-A do Código Penal”, constatou o magistrado, com a ressalva do disposto no artigo 18 do Código de Processo Penal.
Conforme essa regra, após o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia. Leonardo Gonçalves também determinou que sejam realizadas as comunicações de praxe, inclusive ao Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD), caso o averiguado tenha sido identificado criminalmente.
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