Câmeras corporais desmentem PMs e dupla é absolvida por tráfico no litoral de SP
Por Eduardo Velozo Fuccia
Câmeras operacionais portáteis (COPs), que são acopladas nos uniformes de parte dos policiais militares de São Paulo, possibilitaram a absolvição de dois homens acusados de tráfico de drogas e posse ilegal de arma de fogo, em Santos (SP). Além de não produzirem provas contra os réus, as imagens gravadas colocaram em xeque a versão dos agentes públicos. A discussão sobre a obrigatoriedade de utilização de câmeras corporais pelos PMs paulistas é tema que chegou recentemente ao Supremo Tribunal Federal (STF).
“Imperioso reconhecer que razão assiste à defesa quando afirma que as imagens das câmeras corporais acopladas aos uniformes dos policiais militares lançam dúvidas a respeito da dinâmica dos fatos aqui apurados e da idoneidade da prova”, anotou a juíza Silvana Amneris Rôlo Pereira Borges, da 6ª Vara Criminal de Santos. Segundo ela, “à vista da fragilidade do contexto probatório, necessário que se declare o in dubio pro reo”. A sentença foi prolatada no dia 18 de dezembro de 2023, sendo os acusados soltos.
Segundo a denúncia do Ministério Público, na manhã de 2 de junho de 2023, durante patrulhamento de rotina pelo Morro do São Bento, integrantes do 2º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) desconfiaram de dois homens. Os suspeitos portavam mochilas e as dispensaram em um carrinho de lanches em aparente estado de abandono. Em seguida, a dupla entrou em um mercado próximo, sendo encontrada escondida no pavimento superior, onde é executada uma obra.
A inicial narra ainda que outros policiais foram ao carrinho de lanches e recolheram as mochilas, que continham drogas. Em uma delas também havia uma pistola calibre 380 com a numeração raspada e uma balança de precisão. A pesagem dos entorpecentes totalizou 3,2 quilos de maconha, 900 gramas cocaína e quase três litros de lança-perfume. Para o MP, as circunstâncias do flagrante revelam que os entorpecentes se destinavam à venda e o armamento, à segurança de um ponto de tráfico.
Versões divergentes
Dois policiais ouvidos em juízo ratificaram as informações da denúncia. Em seus interrogatórios perante a magistrada, confirmando o que já haviam declarado por ocasião da lavratura do flagrante, os acusados negaram qualquer vínculo com as mochilas nas quais os PMs disseram haver as drogas e a pistola. Eles disseram que trabalhavam na obra quando alguns agentes ali chegaram sem nada. Posteriormente, outros surgiram com as mochilas, afirmando serem dos réus.
Seis vídeos com as imagens de diferentes COPs, com duração de 30 minutos cada um, foram juntados aos autos. As gravações mostram os policiais ainda no interior da viatura, em deslocamento ao morro, e o momento em que entram no mercado, onde há a obra no segundo pavimento. Porém, não há qualquer cena do suposto encontro das mochilas no carrinho de lanches citado pelas equipes do Baep. Em contrapartida, há filmagens da localização de duas sacolas plásticas e de uma arma de fogo em um terreno baldio.
“Embora se verifique a presença das duas mochilas mencionadas na denúncia, os vídeos trazidos aos autos não apresentam o momento que os acusados dispensaram as mochilas no carrinho de lanches abandonado, ou mesmo, a posterior localização das mochilas neste local. Na realidade, a análise dos vídeos não permite constatar a existência do carrinho de lanches nas proximidades do mercado”, observou a julgadora, ao concluir pela insuficiência do contexto probatório para uma condenação.
A magistrada também destacou as imagens que mostram dois PMs achando duas sacolas – não mochilas – e uma arma no terreno. Depois, um dos policiais caminha por uma viela e ingressa com essas sacolas no mercado, onde colegas já haviam detido os réus. “Essa circunstância de fato – de considerável relevância – não foi referida nos relatos dos policiais militares aqui ouvidos, o que traz sérias consequências a respeito da idoneidade da prova e da demonstração da autoria dos ilícitos penais”.
Obrigatoriedade do uso
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu, em dezembro de 2023, que os policiais militares paulistas não são obrigados a usar câmeras corporais em operações deflagradas para reprimir ataques contra os integrantes da corporação. Com parecer favorável do MP, o pedido de utilização dos equipamentos havia sido feito pela Defensoria Pública Estadual e pela ONG Conectas Direitos Humanos como forma de se evitar uma lógica de vingança institucional.
Liminar concedida pelo juiz Renato Augusto Pereira Maia, da 11ª Vara da Fazenda Pública da Capital, determinou a obrigatoriedade do uso das COPs. O governo do Estado recorreu e o Órgão Especial, por unanimidade, cassou a decisão. Por unanimidade, o colegiado acompanhou o voto do desembargador Ricardo Anafe, presidente do TJ-SP, conforme o qual a implementação do pedido da DPE e da Conectas Direitos Humanos geraria elevado custo não previsto no orçamento estadual.
A Defensoria Pública e a ONG tentaram reverter a decisão do Órgão Especial por meio de pedido de Suspensão de Liminar (SL) no STF. Embora tenha reconhecido que os policiais devam atuar com câmeras corporais, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente da suprema corte, observou que a SL não é o instrumento adequado para derrubar o que TJ-SP decidiu, “na medida em que as vias ordinárias ainda não foram esgotadas”, além de existir negociação para uma “solução conciliatória”.
Para Barroso, o tema é de “indiscutível relevância”, porque as câmeras aumentam a transparência das ações policiais, coibindo eventuais abusos e protegendo os próprios agentes do questionamento sobre arbitrariedades. O pedido da DPE e da ONG foi feito em decorrência de 28 mortes de civis, em 40 dias, durante a Operação Escudo. O Governo paulista deflagrou a Escudo na Baixada Santista, em julho de 2023, um dia após um policial das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) ser morto em Guarujá.
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