De fato atípico a falta grave, tatuagem na cadeia é tema controverso no TJ-SP
Por Eduardo Velozo Fuccia
O preso se tatuar na cadeia é um tema que tem provocado decisões variadas no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), conforme a câmara que o julgue. Apenas neste mês, em três agravos em execução, acórdãos consideraram atípica, falta disciplinar de natureza média e até infração grave a conduta do sentenciado que marca o corpo com desenhos.
O assunto ganha relevância pelas consequências jurídicas decorrentes do reconhecimento da falta grave, que são a perda dos dias remidos (artigo 127 da Lei de Execução Penal), a regressão de regime e a interrupção do prazo para a progressão carcerária, nos termos da Súmula 534 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A posição mais severa foi adotada por unanimidade pela 7ª Câmara de Direito Criminal (0014688-83.2023.8.26.0996), em 17 de janeiro. Sob a relatoria do desembargador Fernando Simão, o colegiado deu provimento ao agravo interposto pelo Ministério Público contra decisão que absolveu um preso da acusação de falta disciplinar grave.
Segundo o julgador, o reeducando integrado ao sistema prisional está sujeito às regras que o organizam como garantia da efetividade da sanção aplicada e da segurança dos próprios condenados, pois é incumbência do Estado zelar pelo bem-estar e saúde da população carcerária.
“Fazer tatuagem, sem os adequados equipamentos técnicos, profissional capacitado, higiene, faz surgir o risco de contaminação por bactérias, não apenas a si, mas também com risco de disseminação a outros reeducandos”, concluiu Simão. Para ele, ao se tatuar ou permitir que fosse tatuado na cadeia, o agravado cometeu falta grave.
Os artigos 50, inciso VI, e 39, inciso V, ambos da Lei de Execução Penal (LEP), embasaram o acordão. O primeiro diz que comete falta grave o preso que “inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei”. O outro aponta como um dos deveres do condenado a “execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas”.
Meio termo
Em outro agravo, interposto pela Defensoria Pública contra decisão que aplicou punições a um preso pela prática de falta grave decorrente da realização de tatuagem no estabelecimento prisional, a 12ª Câmara de Direito Criminal deu parcial provimento (0011574-39.2023.8.26.0996) e desclassificou a infração para de natureza média.
Julgado no dia 12, o agravo teve como relator o desembargador Heitor Donizete de Oliveira, cujo voto foi seguido pelos colegas de câmara. Conforme o julgador, o reeducando não estava em posse de materiais para confecção de tatuagens, o que afasta a classificação de sua conduta em falta grave.
Oliveira citou o artigo 50, inciso III, da LEP, de acordo com o qual, “comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem”. Porém, o relator ressalvou que a conduta do agravante se amolda como infração média.
O artigo 45, inciso VIII, do Regimento Interno Padrão das Unidades Prisionais do Estado de São Paulo (instituído pela Resolução SAP 144/2010), considera falta disciplinar de natureza média “praticar autolesão ou greve de fome isolada como atos de rebeldia”. Para o relator, “a autolesão está configurada, não sendo caso de absolvição pela atipicidade”.
Oliveira explicou não ter objeção com a tatuagem em si, mas com a sua realização na cadeia, pelos riscos à saúde e à integridade física do próprio detento, “pois não há assepsia e os mínimos cuidados com a higiene, havendo grande possibilidade de contaminação de infecções e doenças graves, como hepatite e HIV”.
Fato atípico
Uma terceira posição do TJ-SP quanto ao tema foi adotada, por dois votos a um, pela 13ª Câmara de Direito Criminal (0014132-81.2023.8.26.0996), ao julgar no dia 10 de janeiro o agravo interposto pelo MP contra decisão que absolveu um preso da prática de falta grave.
“O princípio da alteridade não permite a punição a condutas que causem autolesão, pois tais condutas não contêm em si a lesividade necessária para permitir a atuação do Estado sobre o indivíduo”, frisou o desembargador Marcelo Semer, relator designado. Por esse princípio, do jurista Claus Roxin, ninguém pode ser punido por causar mal apenas a si.
Semer acrescentou que a ação atribuída ao réu não consta no rol do artigo 45 do Regimento Interno Padrão das Unidades Prisionais de São Paulo, que disciplina as faltas disciplinares de natureza média. “Impõe-se, assim, a manutenção da absolvição do apenado da imputação de falta grave por ausência de tipicidade da conduta”.
Ainda conforme ao julgador, também não é o caso de se enquadrar a conduta do agravado no inciso X (“perturbou a jornada de trabalho ou a realização de tarefas”) ou XIV (“inobservância aos princípios de higiene pessoal, da cela e das demais dependências da unidade prisional”) do artigo 45 do regimento da SAP.
“Não há provas de que a conduta praticada pelo agravado de permitir ser tatuado deixou de observar a higiene pessoal, da cela e das dependências da unidade. Não se deve confundir ato que represente perigo à própria saúde e violação aos princípios da higiene que poderia ocasionar perturbação a terceiros”, destacou Semer.
Por fim, o relator designado observou que as tatuagens apenas foram notadas quando já estavam em fase de cicatrização, em procedimento padrão de checagem dos sentenciados feito por agentes penitenciários, “restando claro que a sua confecção não gerou quaisquer repercussões perturbadoras à unidade”.
Foto: Pexels
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