STF anula procedimento disciplinar do CNJ aberto contra juiz maçom
Por Eduardo Velozo Fuccia
O exercício das atividades maçônicas está configurado no âmbito da liberdade de convicção filosófica, garantida a todos pela Constituição Federal (Artigo 5º, inciso VIII). Com esta fundamentação, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu mandado de segurança a um juiz. Por exercer simultaneamente a magistratura e cargo de liderança na Maçonaria, ele era alvo de procedimento administrativo disciplinar (PAD) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que agora será anulado.
Representado pelo advogado Esdras Dantas de Souza, o juiz do trabalho Milton Gouveia da Silva Filho impetrou o mandado de segurança nº 26.683 para anular o PAD. O procedimento foi instaurado no dia 1º de junho de 2007 por meio de ato da corregedoria do CNJ e do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região. Suposta infração funcional em razão do exercício concomitante dos cargos de juiz e de grão-mestre (líder máximo) da Grande Loja Maçônica de Pernambuco (GLMPE) motivou a apuração disciplinar.
Cinco dias após a impetração do MS, Silva Filho obteve liminar, que suspendeu o PAD. Iniciada em 2004, a gestão do juiz do trabalho à frente da GLMPE se encerrou em 2009. Porém, o mérito do mandado de segurança, tratando sobre tema até então nunca apreciado pelo Supremo, demorou 14 anos para ser julgado. O julgamento ocorreu durante sessão virtual ocorrida entre os últimos dias 21 e 28 de maio. Por 3 votos a 2, o pleito do magistrado, atualmente ex-grão-mestre, foi acolhido.
O CNJ abriu o PAD com base no inciso II, do Artigo 36, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) – Lei Complementar 35/1979. Ele veda ao magistrado exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e, mesmo assim, sem remuneração. Silva Filho alegou que a Constituição, de 1988, não recepcionou esta regra, tendo em vista o direito à liberdade de consciência, crença e associação garantido pela Carta Magna.
O juiz do trabalho acrescentou que a vedação da Loman não se aplicaria ao seu caso também devido à natureza filantrópica das lojas maçônicas. Relator do mandado de segurança, o ministro Marco Aurélio foi favorável ao PAD por entender que, apesar do objetivo benemerente da Maçonaria, o exercício de cargo de direção da instituição conflita com o de magistrado, porque este exige elevada dedicação. “Uma coisa é aderir à maçonaria; outra, diversa, é assumir cargo de direção em loja maçônica”, justificou.
Divergência
Marco Aurélio também citou o Artigo 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição, conforme o qual, mesmo tendo disponibilidade, o juiz não pode exercer outro cargo ou função, exceto o magistério. O segundo ministro a votar foi Alexandre de Moraes e ele abriu a divergência, sendo seguido por Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. A ministra Rosa Weber encerrou o julgamento acompanhando o voto do relator, cuja tese foi derrotada pela contagem mínima.
“Não me parece que a participação de magistrados em lojas maçônicas, inclusive no exercício de seus cargos internos não remunerados, abarca as vedações previstas na Constituição e na Loman”, sustentou Alexandre de Moraes. De acordo com ele, a ideia central do Artigo 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal, e do Artigo 36, inciso II, da Loman, é preservar a independência e a imparcialidade do Poder Judiciário, que não seria afetada pelo exercício de atividades maçônicas.
Repercussão
Composta por 27 Grandes Lojas (uma para cada unidade da federação), que reúnem cerca de 110 mil maçons, a Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil (CMSB) festejou a decisão da Primeira Turma do STF por meio de nota dirigida aos seus filiados. Esta manifestação aconteceu já por ocasião do voto do ministro Dias Toffoli, que garantiu a maioria necessária para a concessão do mandado de segurança.
Para o presidente da CMSB, Alexandre Modesto Braune, o julgamento do mandado de segurança nº 26.683 cria “jurisprudência a favor do entendimento de que não há quebra de imparcialidade ou acumulação ilícita de cargos por parte do magistrado que vier a ocupar cargo de direção de organização maçônica, visto a compreensão da Maçonaria como uma convicção filosófica, liberdade esta garantida pela Constituição”.