TJ-SP confirma condenação de cardiologista por importunação sexual a paciente
Por Eduardo Velozo Fuccia
O Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao recurso de apelação de um cardiologista de Santos e manteve a sua condenação pelo crime de importunação sexual a uma paciente. O TJ-SP também apreciou a apelação interposta pela assistência da acusação e a acolheu parcialmente para condenar o médico a pagar à vítima a quantia de R$ 10 mil a título reparação civil por dano moral.
Arnaldo Haddad é o advogado do médico Walter Nei Nascimento, de 79 anos, e não quis se manifestar “em respeito ao sigilo do processo”, conforme justificou. O Vade News apurou que o recurso da defesa pediu a absolvição do réu por insuficiência de prova ou a desclassificação do crime de importunação sexual para a contravenção penal de perturbação da tranquilidade, considerada infração de menor potencial ofensivo.
O assistente da acusação constituído pela paciente requereu em sua apelação a condenação do cardiologista pelo crime de tentativa de estupro, nos mesmos termos da denúncia do Ministério Público (MP). Ele ainda pleiteou que fosse imposto ao réu o pagamento de R$ 100 mil para a vítima, a título de dano moral. Os recursos foram julgados no último dia 29 de julho pela 9ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP.
A decisão dos desembargadores César Augusto Andrade de Castro (relator), Sérgio Coelho e Grassi Neto foi unânime. Segundo eles, o recurso da defesa não pode ser acolhido pois há provas suficientes à condenação e a negativa do réu ficou isolada do contexto probatório. O colegiado rejeitou o pedido de desclassificação, porque se trata de “fatos que superam a mera perturbação, considerado o caráter lascivo da conduta”.
Os desembargadores também afastaram a tentativa de estupro pretendida pela acusação, confirmando a sentença que condenou o médico por importunação sexual. Previsto no Artigo 215-A do Código Penal (CP) e punível com reclusão de um a cinco anos, este crime consiste em “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.
A juíza Elizabeth Lopes de Freitas, da 4ª Vara Criminal de Santos, condenou o réu em 16 de junho de 2020. Ela considerou a primariedade e os bons antecedentes do médico para aplicar a pena mínima (um ano), estabelecendo o regime aberto para o seu cumprimento. Em obediência a requisitos legais, a magistrada substituiu a sanção privativa de liberdade por prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas por igual prazo.
A aplicação de benesses legais prosseguiu e o réu foi contemplado com sursis etário (suspensão condicional da pena, em razão da idade superior a 70 anos, pelo prazo de quatro anos). O CP prevê que, superado o período de sursis, sem a sua revogação, considera-se extinta a pena privativa de liberdade. O TJ-SP não concordou com este benefício para o médico, mas o manteve diante do “conformismo” do MP.
A magistrada negou o pedido de condenação por dano moral sob a justificativa de não ter como apurá-lo. Ela orientou na sentença que a vítima buscasse esta reparação na esfera cível. Tal providência não foi necessária, porque a 9ª Câmara de Direito Criminal reconheceu este direito da paciente ao julgar o seu recurso. O colegiado arbitrou em R$ 10 mil o valor a ser pago pelo réu por considerá-lo “suficiente e adequado”.
Consulta indiscreta
A vítima relatou à Polícia Civil e em juízo que sofreu a investida do cardiologista durante consulta, em junho de 2017, quando tinha 19 anos. Após tirar a blusa e o sutiã a pedido do médico e colocar um avental aberto na frente, ela ficou constrangida com perguntas do profissional. O réu a teria questionado se usava anticoncepcional e, diante da resposta “sim”, a indagou “por quê”. A paciente afirmou que respondeu “porque sim”.
De acordo com a versão da vítima, ela usava um piercing no umbigo que podia ser visto devido ao avental com abertura na frente. O médico, então, teria perguntado se ela tinha piercing e, com a resposta positiva, quis saber “por quê”. Novamente, para não dar motivo a mais questionamentos, a paciente afirmou “porque sim”. Após o exame, sob o pretexto de ajudá-la a descer da maca, o acusado a agarrou e disse “ai que gostoso”.
A reação da jovem foi a de empurrar o médico, gritar, se trocar rapidamente e sair do consultório. O acórdão destacou que nas duas vezes em que foi ouvida, nas fases do inquérito policial e da ação penal, a vítima “confirmou tais abusos com nítida compreensão dos fatos, não havendo qualquer indício de que estivesse agindo por indução de terceiros ou mesmo com a intenção pessoal de prejudicar o réu”.
A decisão da 9ª Câmara de Direito Criminal também enfatizou a importância da palavra da vítima em delitos desta natureza, cometidos às escondidas na maior parte das vezes. “As pessoas que se encontram nesta situação são as únicas que têm condições de revelá-la. Portanto, a condenação do réu pela prática de delito de importunação sexual era medida de rigor”.
Outra vítima
Uma mulher casada, atualmente com 56 anos, também acusou o cardiologista de assediá-la. Ela relatou que se dirigiu ao consultório do réu em maio de 2017 para entregar o resultado de exames e o cardiologista a segurou pelos dois braços e a beijou no momento em que ela saía do recinto. A mulher ainda recebeu uma lambida na orelha ao empurrar o médico, que dizia “fica aqui”, conforme detalhou a vítima.
O MP denunciou o médico também por este caso, mas imputando-lhe a contravenção de perturbação da tranquilidade. Depois, o órgão acusador propôs transação penal – benefício previsto no Artigo 76 da Lei 9.099/1995. Consistente no pagamento de três salários mínimos (R$ 3.300,00), a proposta foi aceita pelo réu em audiência realizada no dia 13 de fevereiro de 2020 e ele se livrou da acusação, sem acarretar reincidência.
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