Advogado “filho da terra” pode defender réu na mesma cidade, decide TJ-BA
Por Eduardo Velozo Fuccia
O fato de o advogado do réu ser “filho da terra”, por si só, não compromete a imparcialidade dos jurados e nem é motivo apto a autorizar o desaforamento. A realização de sessão do júri em comarca que não seja a do local do crime só é cabível com base em fatos concretos, observadas as hipóteses legais.
Com essa fundamentação, a 2ª Turma da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) negou, por unanimidade, pedido do Ministério Público (MP) para desaforar o júri de um acusado de homicídio qualificado em Capela do Alto Alegre. O município fica a cerca de 250 quilômetros de Salvador e tem 11.597 habitantes, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizada em 2021.
De acordo com o desembargador Abelardo Paulo da Matta Neto, relator do pedido do MP, “não é possível concluir que a necessária imparcialidade dos jurados poderá remanescer comprometida em razão da influência do advogado, ‘filho da terra, como delineado pelo Parquet, ou até mesmo pela aproximação de algum jurado com testemunhas”.
Em caso de “restrições pontuais” a qualquer jurado, de acordo com o relator, compete à parte interessado apontá-las no momento oportuno. Além disso, cabe ao juiz togado o dever de explicar aos membros do conselho de sentença os impeditivos legais para compô-lo, possibilitando que eles próprios apresentem suas justificativas de exclusão.
Comentário e foto no Facebook
No caso concreto, durante sessão do Tribunal do Júri no último dia 17 de agosto, o MP e o assistente da acusação constataram que o advogado do réu publicou em seu perfil no Facebook postagem relacionada ao julgamento popular e um jurado a comentou. Na mesma sessão, ainda se apurou que uma jurada é irmã de uma das testemunhas da defesa e aparece em uma foto com o réu na rede social.
A juíza que presidia a sessão dissolveu o conselho de sentença por quebra de incomunicabilidade, em relação ao jurado que comentou na postagem do advogado, e por deslealdade processual, referente à jurada cujo parentesco com a testemunha foi descoberto. Novo júri, com outros jurados, foi marcado para o dia 23 de novembro.
Em seu pedido de desaforamento ao TJ-BA, o promotor alegou que o advogado teria influência sobre os jurados e revelou dúvidas acerca da imparcialidade dos que atuarão no próximo júri. O representante do MP acrescentou que o próprio defensor, ao contestar a dissolução do conselho de sentença, afirmou ser “filho dessa cidade conhecido por todos”.
Em informações prestadas ao TJ-BA, o juízo da Vara Criminal de Capela do Alto Alegre sustentou que os fatos geradores da dissolução do conselho de sentença e os argumentos do MP “não são elementos relevantes, capazes de abalar a isenção do julgamento ainda pendente de realização.”
O parecer da Procuradoria de Justiça foi pela rejeição do desaforamento em prestígio ao princípio da confiança no juiz da causa. “A relação de parentesco é causa impeditiva da jurada compor o Conselho de Sentença ou da testemunha depor, mas não seria, por si só, causa de deslocamento do julgamento do Tribunal do Júri, por faltar elementos concretos da influência sobre a imparcialidade dos jurados”.
Segundo o acórdão, “o que não se permite é a alegação genérica de imparcialidade de jurados que nem mesmo foram sorteados”. O colegiado frisou que o desaforamento, “medida excepcional”, é admitido apenas nas hipóteses dos artigos 427 e 428 do Código de Processo Penal, não verificadas no caso em exame.
Essas regras elencam como motivos do desaforamento o interesse da ordem pública, a dúvida sobre a imparcialidade dos jurados, a falta de segurança pessoal do acusado e quando o julgamento não puder ser realizado no prazo de seis meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia, desde que comprovado excesso de serviço e evidenciado que a demora não foi provocada pela defesa.
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