Após 13 anos, processo sobre colisão de navio é sentenciado sem culpados
Por Eduardo Velozo Fuccia
A eventual responsabilidade civil por acidente de navio durante a navegação é do capitão e do armador da embarcação. Desse modo decidiu o juiz Décio Gabriel Gimenez, da 3ª Vara Federal de Santos (SP), ao julgar improcedente ação cível de danos morais e materiais, incluindo nestes os lucros cessantes, que foi ajuizada por um terminal contra a Autoridade Portuária de Santos (APS) e a agência do cargueiro envolvido no sinistro.
“O acidente ocorreu em razão de manobra do navio efetuada no momento da saída do canal do Porto de Santos, após a conclusão total do carregamento, possivelmente em virtude de colisão da embarcação com destroços de anterior naufrágio. A responsabilidade pela navegação, como acima exposto, é do armador e do comandante (Lei nº 9.537/1997), nada sendo imputável diretamente às corrés”, anotou o julgador.
Arrendatária do terminal no cais santista onde o navio Postojna embarcou 44 mil toneladas de açúcar para ser exportada à Indonésia, a autora da ação é a empresa Rumo. Após a conclusão dessa operação, o cargueiro zarpou em 29 de setembro de 2011, mas ainda no canal do Porto de Santos teria se chocado com pedras ou no cargueiro grego Ais Giorgis, parcialmente submerso desde janeiro de 1974, em razão de um incêndio.
Com o leme danificado, o cargueiro ficou impossibilitado de prosseguir viagem e reatracou no terminal da Rumo até ser consertado. A empresa alegou em sua inicial que as providências adotadas após o acidente marítimo afetaram as suas operações, impedindo-a de cumprir contratos firmados com terceiros. Por isso, pediu a condenação das rés para ressarci-la dos prejuízos que sofreu e indenizá-la por danos morais.
A quantia a ser paga pelas requeridas, na hipótese de condenação, seria apurada por meio de perícia, mas a autora deu à causa o valor de R$ 5 milhões. Com a improcedência da demanda, o juiz condenou o terminal ao pagamento das custas e despesas processuais, além dos honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor atualizado da ação, “considerando a complexidade da causa e o tempo exigido para solução da controvérsia”.
A sentença destacou inexistir culpa imputável às corrés APS e Porto Agenciamentos Marítimos e Operador Portuário, “visto que a avaria consiste em evento totalmente independente em relação à operação de comércio internacional”. O magistrado afastou a responsabilidade civil das requeridas em razão da ausência dos requisitos do ato ilícito e do nexo de causalidade.
De acordo com Gimenez, para fins de exame da responsabilidade civil pelos danos suportados pela autora, revela-se suficiente identificar a origem do incidente e relacioná-lo à avaria do leme durante a operação de movimentação da embarcação, seja por colisão ou qualquer outra causa, ainda que decorrente de ausência de manutenção ou desgaste natural da peça.
“Com isso, delimita-se que a causa eficiente da interrupção da navegação e da necessidade de retorno ao terminal de origem, que impactou as atividades da autora, tem origem no mau funcionamento de peça relevante da embarcação (leme avariado)”, concluiu o juiz federal. Por esse motivo, ele considerou que a responsabilidade deveria ser atribuída ao comandante e ao armador esloveno do navio.
Originariamente, a Rumo também ajuizou ação contra o armador. No entanto, a autora requereu a desistência da ação em relação a ele, o que resultou em parcial extinção do processo sem resolução de mérito, após a celebração de acordo extrajudicial que foi homologado em juízo. Nesse ajuste, embora não tenha assumido culpa pelo acidente, o armador pagou à reclamante U$ 650 mil (R$ 3,3 milhões no câmbio atual).
“O acordo firmado pela autora com o armador, embora expressamente não isente as demais corrés em relação a eventuais prejuízos remanescentes, enfraquece sobremaneira a pretensão em relação a elas, considerando que a indenização obtida extrajudicialmente em face do armador corrobora o conjunto probatório constante dos autos em relação à sua exclusiva responsabilidade pelo incidente”, avaliou o magistrado.
Tribunal Marítimo
Procedimento instaurado pela Capitania dos Portos confirmou que houve falha na operação do armador, assessorado pelo prático, e descartou a existência de problemas de sinalização no canal do porto, cuja responsabilidade é da APS. Porém, o prático e o comandante do navio foram absolvidos no Tribunal Marítimo, que considerou insuficiente o laudo do acidente para afastar as dúvidas lançadas pelos acusados.
Em relação à reclamação da autora de que a APS poderia ter determinado que o navio fosse direcionado para outro local no Porto de Santos após o acidente, o juiz ressalvou que o cais é público e o terminal opera em regime de outorga, estando o seu uso vinculado à finalidade pública. Gimenez concluiu que não havia alternativa náutica segura, “sob pena de ampliação dos riscos, de modo que se tratava de estado de necessidade”.
Quanto à agência marítima, o magistrado observou que não existe uma só ação ou omissão diretamente atribuída a ela que possa ensejar a sua responsabilização, até porque o seu papel é o de representar o armador em atos jurídicos, estando fora de sua esfera de decisão, controle e responsabilidade as operações de navegação, bem como as de carga e descarga de produtos.
Advogado da Porto Agenciamentos Marítimos e Operador Portuário, Maximino Pedro lamentou a ação contra a empresa, “sem qualquer justo motivo”. Segundo ele, a existência da demanda tornou a agência “persona non grata” no terminal da autora e teve como reflexo a queda de contratos, que a forçou a interromper as suas operações em 2019. Por esse motivo, agora ele estuda processar a Rumo por danos morais e materiais.
Foto principal: APS
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