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17/07/2022

Banco é condenado por cobrar juros de crédito rotativo em empréstimo consignado

Por Eduardo Velozo Fuccia

O trabalho futuro ou a aposentadoria de qualquer pessoa não podem ser considerados como algo passível de ser capitalizado e trazido a valor presente por uma taxa de juros. A fundamentação foi aplicada pelo juiz Rodrigo Garcia Martinez, da 9ª Vara Cível de Santos (SP), ao condenar um banco a indenizar uma aposentada em R$ 10 mil por dano moral. A mulher teve valores descontados de sua folha de benefício, inferior a um salário mínimo, em razão de cartão de crédito com reserva de margem consignada (RMC).

A sentença declarou nulas as cláusulas do contrato de cartão de crédito com RMC elaborado pelo Banco Daycoval referentes aos juros, ao limite do desconto e ao parcelamento da dívida. Deste modo, fica a instituição financeira proibida de realizar novos débitos na aposentadoria da autora até que sejam revisados o parcelamento do déficit oriundo de empréstimo consignado, o limite mensal a ser descontado e a taxa de juros, que deverá ser compatível com esta modalidade de operação.

A decisão, da qual cabe recurso, ainda determinou que o banco devolva em dobro a quantia de R$ 5.176,52, indevidamente descontada, sendo autorizada a compensação com dívidas de consumo efetuadas pela aposentada por meio do uso do cartão. O magistrado destacou que “o ser humano pode ser visto como um ‘ativo’, o que, por seu turno, também nos leva a aceitarmos um novo ‘caminho para a servidão’, muito mais silencioso e destrutivo do que aquele delineado pelos liberais, como Friedrich Hayek”.

Filósofo e economista austríaco, Hayek (1899-1992) se naturalizou britânico e defendeu que a economia deveria funcionar de forma livre, sem intervenções do estado, pois ela estaria destinada ao fracasso, ainda que houvesse boa intenção de um planejador central. Ao oposto do ideário do pensador, o magistrado justificou o deferimento do pedido de dano moral formulado pela autora, viúva e com 69 anos de idade, reconhecendo que parte de seus proventos foi “indevidamente apropriada” pelo réu.

Segundo o juiz, o banco se valeu “da fraqueza ou ignorância” da cliente e explorou a sua condição de “especial vulnerabilidade” ao cobrar juros e encargos contratuais mais onerosos. “A utilização do termo ‘consignado’ tem potencial enorme para confundir e induzir o consumidor em erro. Aliás, não será por outro motivo a constatação de que, na quase totalidade dos contratos atrelados ao cartão de crédito, os consumidores são pessoas vulneráveis, humildes e com baixo padrão de escolaridade e/ou idosos”.

O advogado Tércio Neves Almeida citou as “letras miúdas” do contrato padrão do banco

Dívida impagável

A sentença acolheu todos os pedidos do advogado Tércio Neves Almeida, com exceção ao valor pleiteado a título de dano moral, que foi de R$ 15 mil. Ele explicou que a cliente solicitou ao banco um empréstimo com crédito consignado, sendo-lhe apresentado um contrato padrão de cartão de crédito com RMC, “em letras miúdas”, sobre qual incide juros do crédito rotativo. Porém, o desconto mensal da aposentadoria cobria apenas juros e encargos de refinanciamento do valor total da dívida, tornando-a “impagável”.

“Está evidenciado que o cartão não foi contratado para fins de realização de compras para o atendimento das necessidades diárias do consumidor. Ele foi imposto pelo banco como condição para obtenção do empréstimo consignado, este sim pretendido pela autora. No entanto, apesar de a requerente sofrer desconto mensal no seu benefício, não há redução do valor da ‘dívida’, mas, pelo contrário, um crescimento gradativo do valor base da reserva”, acrescentou Almeida.

O Banco Daycoval alegou que apenas efetuou descontos referentes ao empréstimo concedido à aposentada, sendo os débitos devidamente discriminados. O requerido ainda sustentou que não houve qualquer vício de consentimento apto a macular o contrato. O julgador, porém, refutou os argumentos da instituição financeira e reconheceu a abusividade contratual, com violação a regras do Código de Defesa do Consumidor e de outras leis.

“O cartão de crédito com margem consignada é destinado àquela parcela da população economicamente hipossuficiente, com o escopo de disponibilizar-lhe um empréstimo com taxas de juros mais baixas, de modo que, no caso do não pagamento integral da fatura em seu vencimento, o devedor não pode acabar na mesma situação daqueles que contratam outras linhas de crédito com taxas de juros mais altas”, observou Martinez. Ele acrescentou que “salta aos olhos a onerosidade excessiva no trato entre as partes”.

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