Bandido atirar ao fugir de policiais não quer matar, segundo TJ-RS, se não fizer mira
Por Eduardo Velozo Fuccia
Denunciado por tentativa de homicídio a tiros cometida contra dois policiais militares, um homem que estava em um carro de origem criminosa e portava uma pistola calibre 9 milímetros não será submetido a júri popular. A Justiça gaúcha, em primeira e segunda instâncias, entendeu que disparos efetuados supostamente durante perseguição, em meio a fuga, por si só, não caracteriza animus necandi (intenção de matar).
“Não há elementos a evidenciar que o réu teria feito mira, direcionando os disparos contra os policiais militares, mas sim efetuou os disparos como forma de evitar ou dificultar a aproximação”, destacou o desembargador Sérgio Miguel Achutti Blattes, da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande de Sul (TJ-RS).
Relator do recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público (MP), Blattes teve o seu voto acompanhado pelos desembargadores Rinez da Trindade e Diógenes Vicente Hassan Ribeiro. Com a decisão unânime, o colegiado negou a pretensão do órgão acusatório, confirmando decisão do juiz Maurício Ramires, da 3ª Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre.
Em março de 2018, o magistrado concluiu que “não se pode presumir que quando alguém efetua um disparo de arma de fogo em fuga de policiais está atirando para matar os agentes. Ao contrário, se alguma presunção se vai tirar, terá de ser a contrária, ou seja, de que os disparos são efetuados apenas para provocar distração e facilitar a fuga”.
Deste modo, o juiz decidiu que não houve tentativa de homicídio. Ele desclassificou este delito para o de resistência e afastou do Tribunal do Júri a competência para julgar o crime. Como consequência, ainda revogou a prisão a preventiva do réu e determinou a expedição do seu alvará de soltura. Inconformado, o MP recorreu ao TJ-RS, que negou provimento ao recurso e manteve a decisão do juiz. O acórdão é de maio deste ano.
Como foi
Segundo a denúncia do MP, em 17 de junho de 2016, na capital gaúcha, os policiais militares se depararam com três suspeitos embarcando em um Ford EcoSport. O trio percebeu os agentes e dois homens correram em direção a um matagal e não foram identificados, mas o réu atirou na direção dos PMs, sem atingi-los.
Ainda conforme a acusação formal do Ministério Público, um dos policiais revidou os tiros e acertou o rosto e o peito do réu. O acusado caiu com a pistola de calibre de uso restrito que portava e os agentes lhe providenciaram socorro. Posteriormente, apurou-se a procedência ilícita do EcoSport, razão pela qual o marginal baleado também foi denunciado pelos delitos de receptação e de porte ilegal de arma de fogo.
Em relação à dupla tentativa de homicídio, a denúncia destacou ter sido ela praticada com emprego de meio que resultou “perigo comum”, porque o réu atirou em via pública, em área habitada, com circulação de veículos e pedestres, podendo atingir as outras pessoas que lá se encontravam.
Porém, os desembargadores consideraram o fato de o réu, em interrogatório, negar ter atirado e sequer portar a pistola e as 23 munições íntegras apreendidas. Os integrantes da 3ª Câmara Criminal ainda apontaram a ausência de perícias comprovando o efetivo uso da arma pelo acusado e avaliaram que os depoimentos dos policiais “não esclareceram, de modo suficiente claro, a dinâmica dos supostos disparos”.
Para o colegiado, “a prova judicializada não demonstrou, de forma minimamente segura, a própria existência do fato apto a julgamento pelo Tribunal do Júri, imperando a sua desclassificação de delito doloso contra a vida para o crime remanescente e deslocando a competência de julgamento para o juízo comum, inclusive, para os delitos conexos”.