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17/04/2023

Construtora produz prova contra si e é condenada por danos em casa vizinha

Por Eduardo Velozo Fuccia

Diante da falta de um estudo técnico oficial e capaz de comprovar o nexo de causalidade entre a edificação de um prédio de 11 andares e os danos produzidos em uma casa térrea vizinha à obra, um documento elaborado pela construtora, sob a denominação de “Termo de Prestação de Serviços Gratuitos”, serviu de prova para condená-la a reparar os estragos no imóvel.

Em linguagem leiga poderia se dizer que foi aplicado o ditado popular promessa é dívida. Em sua sentença, o juiz André Quintela Alves Rodrigues, da 2ª Vara Cível de Praia Grande (SP), salientou que “a declaração unilateral de vontade é uma das fontes das obrigações resultantes da vontade de uma só pessoa, formando-se a partir do instante em que o agente se manifesta com a intenção de se obrigar”.

Conforme o magistrado, a obrigação decorrente da declaração de vontade nasce antes mesmo de uma relação jurídica entre as partes. No entanto, para o julgador, o documento produzido pela RA Gomes Pacheco Construtora e Incorporadora, que não chegou a ser cumprido, “nada tem de gratuito” e, pelo seu conteúdo, tentou isentar a ré de maiores responsabilidade ao negar problemas com a obra.

“Os reparos que se propõe a corrigir caracterizam uma atitude que nada se reveste de graciosa, gratuita ou generosa, mas obrigacional, por reconhecer os danos ao imóvel da requerida. Não se ignora toda cautela no vocabulário jurídico lançado nesse documento na tentativa de, por variadas expressões, se eximir de suas responsabilidades, ao afirmar insistentemente que os reparos dar-se-iam sobre danos preexistentes”, destacou o juiz.

De acordo com o julgador, o contexto fático-jurídico, associado a uma leitura do documento “pautada pela boa-fé, lógica e sensatez”, evidencia que a promessa de reparo feita pela requerida não pode ser considerado como “gentileza”. Na realidade, ela decorre do fato de a empresa admitir, pelo menos, a hipótese de ter causado os danos na casa vizinha ao prédio em construção.

“Não se tem notícia que a requerida bateu às portas da vizinhança para promover uma reurbanização no bairro motivada por um espírito altruísta de generosidade em sair realizando reparos e reformas gratuitas sobre toda a área de influência da obra, mas apenas e justamente sobre o imóvel do autor, o qual sabia sofrer diretamente as consequências de seu empreendimento empresarial”, observou Rodrigues.

Mais pedidos

A dona da casa ajuizou a ação em 2020. Além dos danos materiais, ela requereu lucros cessantes, porque teria sido prejudicada na locação do imóvel, e indenização por danos morais, devido ao “barulho excessivo” causado pela obra, inclusive aos domingos e durante o período noturno. Representada pelo advogado Felipe Fontes dos Reis Costa Pires de Campos, a ré alegou que “boa parte” dos pedidos envolve danos preexistentes.

Segundo o julgador, o único meio de prova hábil a comprovar a responsabilidade civil em decorrência de danos causados por uma obra no imóvel vizinho é o pericial, mediante nomeação de um perito engenheiro civil com habilidade técnica para apontar a causa das avarias. “O autor não requereu a produção de prova pericial e, com isso, desde logo prejudicou a comprovação técnica do nexo causal”.

Contudo, a falta de comprovação de nexo causal, por si só, não é suficiente para afastar a responsabilidade civil da requerida, conforme ressalvou o juiz. “A obrigação de reparar as avarias relatadas restou concretizada a outro título, qual seja, por declaração unilateral de vontade, espontaneamente prometida pela requerida ao autor no sentido de que iria reparar os danos existentes no imóvel ao final da obra, o que não fez”.

Com essa fundamentação, Rodrigues julgou a ação parcialmente procedente e condenou a construtora a pagar R$ 11 mil para a reparação dos danos ao imóvel vizinho à obra. Esse valor refere-se ao menor dos três orçamentos apresentados pela autora. Rodrigues rejeitou o pedido de lucros cessantes porque não se demonstrou que, por nexo direto e imediato, a casa ficou impedida de ser alugada devido à edificação do prédio.

O julgador não vislumbrou a ocorrência de dano moral indenizável, mas “aborrecimento do cotidiano” sofrido pela autora com a obra. “A construção de edifícios é uma decorrência normal do processo de urbanização a que todo cidadão que vive na cidade é levado a tolerar, quando realizada nos parâmetros da regulamentação urbanística, a qual não consta dos autos ter sido violada no decorrer do empreendimento”.

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