Correios são condenados a indenizar por latrocínio de motorista de terceirizada
Por Eduardo Velozo Fuccia
A Administração Pública tem o dever de fiscalizar a execução do serviço que terceiriza (artigo 67 da Lei 8.666/1993). Também cabe à contratante escolher bem a prestadora e supervisionar o cumprimento das normas trabalhistas, pois o desrespeito da contratada a essas obrigações recaem sobre a tomadora (art. 186 do Código Civil). Por fim, a responsabilidade de indenizar é objetiva, pois independe de dolo ou culpa, quando o dano decorrer do exercício de atividade de risco (art. 927 do CC).
Com a conjugação dessas três regras, a juíza titular da 2ª Vara do Trabalho de São Vicente (SP), Silvana Cristina Ferreira de Paula, reconheceu a responsabilidade subsidiária da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e a condenou, junto com uma empresa de transportes, por danos material e moral. A viúva de um funcionário da transportadora ajuizou a ação. O colaborador, de 53 anos, foi morto com um tiro na cabeça em tentativa de roubo durante o exercício da função de motorista entregador.
De acordo com a sentença, as reclamadas deverão pagar indenização por dano moral fixada em R$ 200 mil. Em relação ao dano material, considerando o salário da vítima do latrocínio e a expectativa de vida do brasileiro, que é de 78 anos, conforme estudos de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi determinado o pagamento de R$ 622,6 mil, em parcela única. As requeridas ainda deverão arcar com os honorários advocatícios, arbitrados em 5% do valor da condenação.
A julgadora definiu o valor do dano material com base no artigo 948 do CC. A regra dispõe que, em caso de falecimento, a indenização consiste em “prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”. O arbitramento da pensão mensal, conforme atual entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), deve corresponder a dois terços do salário, incluindo todas as verbas que o compõe, em atenção ao princípio da restituição integral do dano.
Em relação ao dano moral, Silvana Cristina observou que ele é “in re ipsa”, ou seja, presumido. “Significa que dispensa a prova do prejuízo em concreto, sendo sua existência presumida por se verificar na realidade dos fatos e emergir da própria ofensa causada, já que surge da violação a um direito da personalidade”. A juíza destacou que o direito à indenização extrapatrimonial decorre da “causalidade entre o labor e a lesão que acometeu a reclamante”. O valor de R$ 200 mil foi justificado pela “gravidade do dano”.
Além de requerer a subsidiariedade dos Correios no tocante à responsabilidade civil das reclamadas, Alexandre Henriques Correia, advogado da viúva, postulou o reconhecimento do vínculo empregatício do falecido com a empresa de transportes, porque ele sequer havia sido registrado. Analisando a documentação juntada na inicial, a juíza considerou incontroversa a relação trabalhista e condenou a transportadora a pagar à esposa do colaborador todas as verbas rescisórias a ele devidas.
Risco da atividade
Silvana Cristina concluiu ser indiscutível que os Correios contrataram a transportadora para a entrega de encomendas – atividade considerada de risco e que não exige prova de culpa ou dolo para fins de responsabilização. “A atividade exercida pelo obreiro falecido é de risco, na qualidade de motorista entregador, ensejando a responsabilidade objetiva do empregador, tendo em vista que o mister desempenhado apresenta o potencial de risco exigido pelo citado dispositivo legal (art. 927 do CC).”
A sentença apontou a culpa dos Correios ao deixar de fiscalizar de forma eficiente o cumprimento integral das obrigações trabalhistas pela transportadora. “É dever da tomadora de serviços eleger adequadamente as empresas prestadoras de serviços e fiscalizar o regular cumprimento das normas trabalhistas, tendo em vista que o descumprimento de obrigações pela empregadora, implica em culpa in vigilando e culpa in eligendo da tomadora, nos termos do artigo 186 do Código Civil”.
A magistrada ainda destacou que, nos termos do artigo 932, inciso III, do CC, a responsabilidade por acidente de trabalho do tomador que adota a terceirização não se restringe às cláusulas do contrato de prestação de serviços. Conforme essa regra, “são também responsáveis pela reparação civil (…) o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”.
Segundo Alexandre Correia, “ainda que a perda seja incomensurável e nenhum dinheiro do mundo supra o vazio deixado pela morte do marido, a indenização dará um pouco de conforto à viúva”. O advogado avalia com a cliente se recorrerá para pedir o aumento do valor da indenização por dano moral. Independentemente dos eventuais recursos a serem interpostos pelas reclamadas, a decisão será submetida a reexame necessário, porque a lei confere aos Correios os mesmos privilégios concedidos à Fazenda Pública.
O crime
O latrocínio de Sérgio Murilo Pereira ocorreu no início da tarde de 3 de fevereiro deste ano, em São Vicente, no litoral de São Paulo. Ele dirigia um furgão da sua firma para a entrega de encomendas para os Correios quando dois ladrões se posicionaram na frente do veículo para forçar a sua parada. A vítima acelerou e atropelou um dos assaltantes, que disparou e a atingiu na cabeça. Em seguida, a dupla fugiu com dois comparsas que a aguardavam em um carro de transporte por aplicativo, dirigido por um quinto homem.
O furgão colidiu no muro de uma casa na Rua Major Eugênio Terral, na Vila Cascatinha, após a vítima ser baleada. Ela estava sozinha no veículo e morreu enquanto era levada ao hospital pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Mais tarde, o ladrão atropelado deu entrada em um pronto-socorro da cidade vizinha de Santos e foi preso. Identificado, o motorista por aplicativo também foi detido e é apurada a sua efetiva participação no crime. Por meio dele, a Polícia Civil identificou um segundo assaltante.
Foto principal: César Bulcão/Correios
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