Dentista e clínica são condenados por extração de 10 dentes sem autorização
Por Eduardo Velozo Fuccia
A extração de dez dentes da arcada superior de uma auxiliar de limpeza sem ela consentir e sem haver causa que justificasse o procedimento resultou na condenação de uma clínica odontológica e de um dentista por danos moral e estético. Os réus deverão indenizar a vítima em R$ 20 mil e ainda ressarci-la em R$ 400,00. Este último valor é o que ela desembolsou para o pretenso tratamento e conseguiu comprovar mediante recibo.
A mulher foi à SJ Odontologia para realizar dois implantes dentários, mas saiu do consultório sem nenhum dente no maxilar superior após a intervenção do dentista Edson Rodrigues de Paula Neto. Condenados pela juíza Ligia Maria Tegao Nave, da 3ª Vara Cível do Foro Regional do Ipiranga, na capital paulista, clínica e profissional recorreram ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
Por unanimidade, os desembargadores Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho (relator), Theodureto Camargo e Silvério da Silva, da 8ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, negaram provimento à apelação e mantiveram a sentença na íntegra. De acordo com o colegiado, ficou demonstrada “evidente a falha na prestação dos serviços odontológicos, cujo resultado buscado não foi alcançado”.
“Quem se submete a reparação estética por meio de implantes dentários, está interessado no resultado, buscando a melhora no aspecto estético e funcional de sua arcada dentária, adotando o profissional cirurgião, neste aspecto, uma obrigação de resultado: melhora na estética, recuperação da função mastigadora e diminuição da sobrecarga nos dentes remanescentes”, destacou o relator em seu voto.
Segundo a advogada da auxiliar de limpeza, a cliente não autorizou a extração dos dentes e sequer foi consultada. “Na hora em que a autora se deu conta que o segundo réu retirou todos os seus dentes superiores, ela imediatamente o questionou, perguntando o porquê de tal atitude”. O dentista justificou que seria “melhor daquela maneira” e chamou a paciente de “chata”, ainda conforme a advogada.
A auxiliar de limpeza saiu do consultório “aos prantos e se sentindo mutilada”, descreveu a advogada. “É certo que a autora sofreu grande desgaste psicológico, além da parte estética que é mais deprimente. Isto tudo sem contar os danos físicos, pois a autora não consegue se alimentar”, acrescentou. O dentista ainda é acusado de confeccionar prótese muito maior do que a arcada da paciente, quando a gengiva estava sensível e inchada.
Lesão grave
Perito do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo, o cirurgião bucomaxilofacial e odontólogo Alberto Sabá produziu laudo no qual consta que dez dentes naturais saudáveis foram extraídos sem causa justificadora desta retirada. Ele atestou que a intervenção gerou “lesão de natureza grave” com prejuízos de 40% à função mastigatória, de 36% à função fonética e dano estético da ordem de 40%.
O especialista observou que qualquer artifício usado para suprir a falta do dente não reverte o caráter do “dano patrimonial físico”, pois o organismo humano não refaz os tecidos orgânicos dentários perdidos. Sabá também informou que os materiais usados na reparação estética e funcional têm durabilidade média entre cinco e dez anos, exigindo do cirurgião dentista avalição semestral da prótese e do implante.
Versão dos réus
A defesa do dentista disse que não houve falha na prestação dos serviços, inexistindo a obrigação de indenizar por dano moral ou estético, bem como o dever de reparação por dano material. Também alegou que prestou informações à paciente acerca dos possíveis tratamentos, sendo a extração apenas realizada após a auxiliar de limpeza constatar ser este o procedimento mais adequado e autorizá-lo.
A clínica sustentou preliminarmente ser “parte ilegítima” na ação. No mérito, endossou os argumentos do dentista. Porém, a juíza e a 8ª Câmara de Direito Privado rechaçaram as alegações dos réus. Sentença e acórdão (decisão de segunda instância) reconheceram nexo de causalidade entre a conduta do profissional e o dano sofrido pela paciente, detalhado no laudo pericial.
Quanto à ilegitimidade de parte alegada pela clínica, que tentou se esquivar de responsabilidade sob o argumento de não possuir relação jurídica com o dentista, o TJ-SP destacou que a autora da ação estabeleceu relação de consumo com os réus. Deste modo, é o caso de se aplicar o Código de Defesa do Consumidor (CDC) com a inversão do ônus da prova e a “teoria da aparência”.
Edson não comprovou a suposta permissão da vítima e nem que foi correto o procedimento adotado. A clínica, por sua vez, também deve ser condenada porque o dentista, perante a paciente, atuou em nome da SJ Odontologia. A teoria da aparência, no CDC, marca presença no Artigo 34: “o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos”.