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08/09/2023

Desembargador paulista pode ter a aposentadoria cassada por improbidade

Por Eduardo Velozo Fuccia

“O princípio constitucional da retroatividade da norma penal mais benigna não foi estendido, pelo Poder Constituinte originário, às demais ramificações e especialidades, limitando a respectiva incidência, apenas e tão-somente, ao próprio Direito Criminal”.

Assim decidiu a 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), ao negar provimento ao agravo de instrumento interposto por um desembargador aposentado compulsoriamente pela concessão irregular de liminares em plantões.

O agravante pretendia o reconhecimento da improcedência de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, na qual o Ministério Público requer a cassação da aposentaria do desembargador, além de outras sanções de caráter administrativo.

A interposição do agravo gerou efeito suspensivo. Com a decisão do TJ-SP, o procurador-geral de Justiça Mário Luiz Sarrubbo requereu à 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo a retomada da ação de improbidade com a designação de audiência de instrução.

Segundo o desembargador Francisco Bianco, relator do agravo, a Lei 14.230/2021 (nova Lei de Improbidade Administrativa – LIA) trouxe alterações cujo objetivo é “a proteção e a tutela do interesse coletivo, público e social, e não, a liberdade dos cidadãos”.

Além disso, Bianco observou que a aplicação retroativa da nova LIA, na hipótese de eventual reconhecimento judicial da prática de atos contrários à probidade, sem a imposição das sanções cabíveis, poderia acarretar prejuízo à sociedade.

O relator alertou que esse prejuízo social contribuiria “para o enfraquecimento do desejável combate à corrupção”, ressalvando que o processamento da lide, por si só, não acarretará prejuízo ao réu, pois ele poderá comprovar eventual licitude em sua conduta.

A nova LIA revogou a modalidade culposa de improbidade administrativa. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, com repercussão geral, que essa parte da lei retroage aos atos culposos cometidos na vigência do texto anterior, ainda sem trânsito em julgado.

Essa decisão do STF consta do Tema 1.199, de 18 de agosto de 2022, mas não é aplicável ao desembargador paulista, conforme frisou o relator. “Não é a hipótese dos autos, cujo dolo, em tese, está evidenciado, conforme a conduta assumida por ambos os corréus”.

Os desembargadores Nogueira Diefenthaler e Marcelo Berthe seguiram o voto de Bianco. Conforme o acórdão, consta dos autos que o agravante concedeu de forma indevida, em 2015, diversas liminares em habeas corpus, para acusados de tráfico de drogas.

Distribuição manipulada

Assinada pelo ex-procurador-geral de Justiça Gianpaolo Poggio Smanio, a inicial da ação de improbidade enumera cinco liminares que teriam sido indevidamente concedidas pelo desembargador aposentado em plantões judiciais.

Em dois desses casos, ele teria contado com o auxílio de um serventuário, que criou números inexistentes de processos para justificar a distribuição por prevenção.

Integrante da 9ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP, até seu afastamento cautelar ocorrido no dia 21 de outubro de 2015, por decisão do Órgão Especial da corte paulista, o desembargador foi aposentado compulsoriamente, enquanto o serventuário foi punido com demissão.

De acordo com Smanio, as condutas dos réus caracterizaram “graves faltas funcionais”, justificando a ação de improbidade administrativa devido à violação da Lei 8.429/1992 (antiga LIA), em vigor à época dos fatos.

Essa legislação, conforme o autor da denúncia, visa coibir e punir os atos praticados contra a Administração Pública por seus próprios agentes com afronta aos princípios do artigo 37, caput, da Constituição Federal.

Além da cassação da aposentadoria como decorrência da perda do cargo público em função dos atos praticados na ativa, o MP pede para o desembargador aposentado a suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos.

Outras penalidades pleiteadas são: o pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, pelo prazo de três anos.

Em relação ao serventuário, que não fez jus à aposentadoria compulsória, o MP requer a imposição da perda de eventual cargo público que estiver ocupando, além das demais sanções pedidas ao desembargador.

Por fim, foi requerida a condenação dos demandados ao pagamento das despesas processuais e custas judiciais. O MP deu à causa o valor de R$ 3,4 milhões – valor da multa civil, considerado o subsídio do desembargador em 2016 multiplicado por cem.

Foto: Daniel Gaiciner/TJ-SP

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