Empresária vira ré ao associar enchentes à “ira de Deus” por “terreiros” no RS
Por Eduardo Velozo Fuccia
Por preencher os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal (CPP), o juiz Paulo Victor de Franca Albuquerque Paes, da 3ª Vara Criminal de Governador Valadares (MG), recebeu denúncia de racismo religioso contra uma empresária e “influenciadora digital”. Por meio de seu perfil no Instagram, a agora ré divulgou vídeo no qual relacionou as enchentes no Rio Grande do Sul à “ira de Deus” com a quantidade de “terreiros de macumba” que existem no estado.
“O suporte probatório que lastreia a peça acusatória é capaz de evidenciar a justa causa para instauração da ação penal em desfavor da denunciada, a materialidade e os indícios de autoria do fato noticiado nestes autos, o qual, em tese, constitui infração penal”, anotou o magistrado. Na análise da inicial apresentada pela promotora Ana Bárbara Canedo Oliveira, o juiz também verificou a inexistência das hipóteses de rejeição da denúncia, previstas no artigo 395 do CPP.
Na mesma decisão, Paes indeferiu pedido da defesa de Michele Mendonça Dias Abreu para que a ação penal tramitasse em segredo de justiça. A denunciada alegou que nos autos há dados relativos à sua “privacidade”. Porém, o julgador observou que a proteção constitucional e legal se relaciona a dados telefônicos, bancários e fiscais. “Em regra, a ação penal pública tramita de forma pública e o caso destes autos não se enquadra em qualquer hipótese prevista em lei para que seja diferente”.
A representante do MP teve negado pedido de fixação de medida cautelar para proibir a acusada de realizar “novas postagens afetas à macumba, terreiros, religião de matriz africana e conteúdo de fake news, que desinformam acerca da tragédia climática no Rio Grande do Sul”. A promotora ainda requereu cautelares para que a empresária não se ausente do País sem autorização judicial e para obrigá-la a manter o seu endereço atualizado nos autos. Esses pleitos também foram indeferidos.
Sobre o pedido de vetar judicialmente postagens de conteúdo criminoso, o magistrado entendeu ser desnecessária cautelar nesse sentido, “vez que tais fatos já são proibidos pela norma”. Em relação ao requerimento de proibição de se ausentar do País, o julgador o indeferiu por considerá-lo desproporcional ao caso, “notadamente em razão da pena cominada e porque os fatos não foram cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa”. Quanto à manutenção de endereço atualizado, a lei prevê essa obrigação.
Milhões de visualizações
A denúncia narra que a acusada, no 5 de maio de 2024, por meio do seu perfil aberto ao público no Instagram, no qual se define como “cristã”, praticou e também induziu discriminação, preconceito e intolerância às religiões de matriz africana. A ré tinha na época 31 mil seguidores e o seu vídeo, postado na modalidade “story”, foi compartilhado por diversos perfis de redes sociais, alcançando mais de três milhões de visualizações, conforme certidão de pesquisa juntada pelo MP.
Segundo a promotora, ao relacionar a tragédia climática no Rio Grande do Sul com a presença de “macumba” e “terreiros” no estado e atribuí-la a “castigo divino”, a empresária cometeu o crime descrito no artigo 20, parágrafo 2º, da Lei 7.716/1989. A regra pune quem pratica, induz ou incita a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, por meio da internet ou publicação de qualquer natureza. A pena é de reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
A inicial imputou à conduta da acusada a agravante do artigo 61, inciso II, alínea “j”, do Código Penal, porque o delito foi cometido por ocasião de inundação e calamidade pública. Por fim, com base no artigo 387, IV, do CPP, Ana Bárbara requereu a fixação de valor mínimo para reparação de dano moral coletivo que considere a repercussão nacional do vídeo, o grau dos estragos no Rio Grande do Sul, o preconceito histórico às religiões de matriz africana e a condição econômica da denunciada.
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