Estivador processa terminal por queda em navio e laudo pericial gera indignação
Por Eduardo Velozo Fuccia
A discrepância entre os laudos periciais sobre as sequelas físicas decorrentes de acidente de trabalho sofrido por um estivador vinculado à empresa Ecoporto deixou o trabalhador, o seu advogado e o médico que atua como o seu assistente técnico indignados. Agora, cabe ao juízo da 3ª Vara do Trabalho de Santos avaliar qual perícia deve ser aplicada em ação de danos material e moral da vítima contra a empregadora.
Vítima de acidente a bordo de um navio atracado no terminal da Ecoporto, em 14 de outubro de 2020, Eduardo Dias Vasconcellos, de 49 anos, caiu de uma altura de cerca de cinco metros e sofreu politraumatismo. Em 3 de agosto de 2022, foi julgada procedente ação do estivador em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para converter auxílio-doença em aposentadoria por invalidez por acidente de trabalho.
O juiz André Diegues da Silva Ferreira, da Vara de Acidentes do Trabalho de Santos, baseou a sua sentença com o laudo do perito médico judicial Abrão Moisés Altman, que constatou sequelas de fraturas do cotovelo direito, do antebraço esquerdo, além de fratura da patela (osso dianteiro do joelho) direita. O expert atestou incapacidade total e permanente para o trabalho, além do nexo de causalidade entre o acidente e as lesões.
“Uma vez que se conclui que a parte autora resta incapacitada para o labor, de forma total e permanente, devido a acidente de trabalho ocorrido em 14/10/2020, restando reconhecido o nexo causal, é o caso de concessão da aposentadoria por invalidez”, decidiu o magistrado. Por unanimidade, a 17ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) confirmou a sentença ao apreciar recurso de ofício.
Conforme o acórdão, publicado em novembro de 2022, a ocorrência do infortúnio está comprovada com a formalização da Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) pela empregadora e pelo perito judicial, que afirmou: “há sequela de fraturas do cotovelo direito e do antebraço esquerdo, e de fratura da patela direita, causando uma incapacidade total e permanente, o que torna o autor incapaz para qualquer ocupação”.
Ponto de discórdia
Em outra ação, ajuizada pelo estivador em janeiro deste ano perante a Justiça do Trabalho, desta vez pleiteando da Ecoporto reparação por dano material e indenização por dano moral, a juíza Rafaela Lourenço Marques determinou a realização de “perícia médica a fim de que se verifique a existência ou inexistência de dano, inclusive eventual percentual de incapacidade laborativa e nexo etiológico”.
Nomeado pela julgadora, o médico Lucas Pedroso Fernandes Ferreira Leal produziu laudo de 17 páginas, dedicando oito linhas para concluir que “há nexo de causalidade entre a condição clínica verificada na ocasião da perícia médica e o evento traumático relatado nos autos, sob a óptica médico-legal”. Ele também reconheceu a existência de “dano corporal permanente”, porém, gerador de “incapacidade laboral parcial”.
Leal salientou ser o seu estudo destituído de “qualquer parcialidade ou interesse, a não ser o de contribuir com a verdade”. Segundo ele, o estivador sofreu redução de apenas 20% da sua capacidade laboral, “não sendo o caso de indivíduo imprestável”. Nos autos, o advogado Maximino Pedro, que representa o trabalhador, disse que o perito “divagou e extrapolou” ao apontar suposto percentual de diminuição de capacidade de trabalho.
“A aferição de perda geral de percentual de capacidade de trabalho não se aplica ao presente caso, que repita-se, é de perda de função específica exercida no momento do acidente, e não de lesão parcialmente incapacitante ao trabalho, sendo referida questão indicada pelos quesitos do juízo, por nós considerada mero equívoco, produto da reprodução mecânica e rotineira”, justificou Maximino.
Para o advogado, o perito judicial também não respondeu de forma objetiva se o trabalhador perdeu ou não a capacidade para a função de estivador em virtude do acidente no navio. Assistente técnico do ex-funcionário da Ecoporto, o médico Maurici Aragão Tavares também discordou da conclusão de Leal, destacando que decisão judicial definitiva reconheceu a incapacidade total do autor e, por isso, o aposentou por invalidez.
De acordo com Tavares, o laudo do perito médico judicial que fundamentou a aposentadoria do trabalhador não pode ser agora desprezado. “O reclamante perdeu prematuramente seu único ofício de vida, estando totalmente incapacitado permanentemente para qualquer atividade em decorrência das graves lesões que sofreu com o acidente de trabalho”, finalizou o assistente técnico.
Versões das partes
Maximino narrou na inicial que o acidente ocorreu de madrugada, quando o seu cliente atuava no descarregamento de peças soltas de até sete metros de comprimento por dois de altura (carga geral). Segundo o advogado, a iluminação era precária dentro da embarcação, que não contaria com guarda-corpo ou “linha de vida” – cabo no qual o trabalhador engata o seu cinto de segurança para mantê-lo suspenso em caso de queda.
O autor contou que, por ocasião da sua admissão, a empresa lhe forneceu cinto de segurança antiqueda como equipamento de proteção individual (EPI). Porém, posteriormente, o acessório foi recolhido dos estivadores, conforme determinação de uma preposta do terminal portuário feita por meio de áudio no grupo virtual dos colaboradores. Maximino fez a juntada desse arquivo de mídia no processo.
Em razão das fraturas sofridas, Eduardo foi submetido a cirurgias para a colocação de placa, parafusos e pinos. Para o advogado, a empresa tem responsabilidade objetiva pelo episódio, conforme o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu em situação análoga sob o Tema nº 932, de repercussão geral. Por isso, ele pleiteou a condenação do terminal a pagar indenização por dano moral e pensão mensal vitalícia.
Tal pensão seria paga até quando o autor completar 75 anos e meio de idade, que é a expectativa de vida do brasileiro apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), conforme justificou Maximino. Porém, a defesa da Ecoporto refutou os pedidos do autor, sob a alegação de que a empresa não teve culpa pelo acidente e que as condições de trabalho não eram precárias conforme o relato da inicial.
“O reclamante estava em plenas condições de trabalho, para o qual encontrava-se devidamente capacitado/habilitado/treinado, compatível com sua função, inclusive trabalho em altura”, contestou a defesa do terminal. Segundo ela, o colaborador recebeu os EPIs necessários e não fez a devida “avaliação de risco” ao se apoiar em uma peça vazada coberta por uma lona, sem que seus gestores pudessem evitar a fatalidade.
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