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08/05/2021

Ex-goleiro do Corinthians não irá a júri por morte de adolescente no trânsito

Por Eduardo Velozo Fuccia

Por três votos a dois, a 14ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) acolheu embargos infringentes da defesa do goleiro Raphael Aflalo Lopes Martins, ex-Corinthians, e o livrou de ser levado a júri popular, que o sujeitaria a pena de 16 a 50 anos de reclusão, na hipótese de condenação. A decisão é do último dia 3.

Atualmente jogando no Portimonense Sporting Clube, da Primeira Liga (a principal do futebol português), Raphael Aflalo, de 24 anos, causou a morte de um adolescente e feriu o seu padrasto ao atropelá-los com um automóvel BMW 318 iA. O episódio aconteceu em Santos, no litoral paulista, na tarde de 9 de abril de 2017.

O Ministério Público (MP) denunciou o atleta por homicídio e tentativa de homicídio, ambos dolosos e qualificados pelo emprego de recurso que impossibilitou a defesa das vítimas. Matheus da Silva Souza do Nascimento, de 17 anos, e o seu padrasto, Charles Nascimento da Silva, eram ambulantes e empurravam um carrinho de bebidas e lanches.

O acidente aconteceu na Avenida Dr. Epitácio Pessoa, na Aparecida. O adolescente estava atrás do carrinho e foi arremessado a 13 metros de distância, sofrendo graves lesões e morrendo. Charles seguia à frente e se machucou, mas sem ficar com sequelas. As vítimas voltavam da praia, onde trabalhavam.

O advogado Eugênio Malavasi opôs embargos infringentes e reverteu a primeira decisão da 14ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP

Segundo o MP, o goleiro agiu com dolo eventual, porque assumiu o risco de produzir o resultado ao dirigir a 100 km/h, enquanto o limite de velocidade para aquela via é de 50 km/h. A prevalecer esta tese, Raphael seria levado a júri popular, que tem a competência constitucional para julgar os crimes dolosos contra a vida, como é o caso do homicídio.

O advogado Eugênio Carlo Balliano Malavasi sustentou que não houve dolo eventual, porque este exige a indiferença do agente diante de um resultado previsível. Conforme o defensor, além de não desejar o resultado fatídico, Raphael não assumiu qualquer risco e nem se mostrou indiferente diante de possível desfecho trágico.

“Houve culpa consciente, na qual o agente prevê o resultado, mas confia que nada ocorrerá”, destacou Malavasi. Quanto à velocidade excessiva, o advogado argumentou que ela caracteriza a imprudência inerente à culpa, não ao dolo. Ele ainda relembrou que o cliente não ingeriu bebida alcoólica e permaneceu no local do acidente, sem fugir.

Para a defesa, houve os delitos culposos de homicídio e lesão corporal na direção de veículo automotor. Descritos nos artigos 302 e 303 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), eles são puníveis, respectivamente, com dois a quatro anos e seis meses a dois anos de detenção. Também é prevista a suspensão da habilitação para dirigir.

Confronto de teses

Após a fase processual de produção de provas, o juiz Leonardo de Mello Gonçalves, da Vara do Júri de Santos, teve o mesmo entendimento da defesa e desclassificou os crimes dolosos. O MP recorreu e a 14ª Câmara de Direito Criminal, por dois votos a um, deu provimento ao pedido do órgão da acusação, reconhecendo o dolo eventual.

Com base no voto que lhe foi favorável, Malavasi opôs embargos infringentes, cujo objetivo é o reexame da matéria pelos três desembargadores que o julgaram inicialmente, que podem modificar o seu entendimento, e mais dois. O novo resultado do colegiado foi pela confirmação da decisão de primeiro grau, pela qual o goleiro não deve ir a júri.

Relator dos embargos infringentes, o desembargador Hermann Herschander teve o voto seguido pelos desembargadores Fernando Torres Garcia e Marco De Lorenzi. Segundo a maioria, “a excepcional imputação de dolo eventual deve vir calcada em elementos concretos, aptos a demonstrar ao menos a plausibilidade de sua configuração”.

Porém, no caso em análise, conforme o relator, não foram detectados tais elementos, sendo o excesso de velocidade relevador de “manifesta imprudência”, mas insuficiente para caracterizar o dolo eventual. Pensar o contrário seria admitir que todo o motorista, ao dirigir de modo parecido, prevê matar alguém, sem se importar com este fato.

Duas testemunhas ouvidas em juízo disseram que Raphael, logo após o acidente, saiu do carro com as mãos na cabeça. Esta reação, de acordo com o relator dos embargos, “denota o desespero que o tomou, incompatível com o dolo eventual”. Os votos vencidos foram os dos desembargadores Walter da Silva e Miguel Marques e Silva.

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