Conteúdos

12/03/2022

Juíza absolve réu reconhecido por foto e “condena” investigação na sentença

Por Eduardo Velozo Fuccia

Paralisado durante sete anos e oito meses, sem qualquer diligência, um inquérito policial lastreou denúncia do Ministério Público (MP) contra um acusado de roubo com base exclusivamente em seu reconhecimento fotográfico. Apesar da precariedade da prova persistir em juízo, o órgão acusador pleiteou a condenação do réu em suas alegações finais, mas a sentença foi absolutória, com direito a críticas à investigação da Polícia Civil.

“Sequer o réu foi interrogado na fase policial, mesmo estando preso. E como já dito, o inquérito permaneceu adormecido por longos anos, sem qualquer movimentação tendente a elucidar a autoria do crime. Não há, portanto, a necessária sintonia entre aquele reconhecimento e os parcos elementos de provas apresentados”, destacou a juíza Vanessa Aparecida Pereira Barbosa, da 4ª Vara Criminal de Ribeirão Preto (SP).

A ação penal refere-se ao roubo de um furgão e da sua carga de cosméticos cometido por dois homens, em 19 de novembro de 2013. Um dos ladrões ficou afastado do veículo, dando cobertura. O outro portava arma de fogo e rendeu o motorista. Naquela data, a vítima examinou álbuns fotográficos na delegacia e não reconheceu ninguém. Dez dias depois, policiais lhe mostraram a foto do acusado e houve o reconhecimento.

“Nota-se um severo comprometimento do reconhecimento fotográfico, pois a imagem do acusado foi mostrada à vítima pela Polícia Civil nesta segunda oportunidade de forma direcionada, já que os investigadores já tinham se convencido da autoria”, avaliou a julgadora. A prisão do réu foi em razão de outro crime e os policiais o vincularam ao roubo da carga, fotografando-o e exibindo a sua imagem à vítima do primeiro delito.

Preliminarmente, em suas alegações finais, a defesa do réu requereu a declaração de nulidade do reconhecimento por foto feito na fase policial, porque não houve obediência ao que dispõe o artigo 226 do Código de Processo Penal. No mérito, postulou a absolvição por insuficiência de prova contra o acusado, apontado como o ladrão que estava armado. Em seu interrogatório judicial, o denunciado negou o crime.

Sem liame

Para a juíza, o reconhecimento foi “anômalo” e divorciado das formalidades legais, não podendo servir de suporte a uma condenação. “Caso a investigação tivesse contado com diligências mais eficientes, reunindo outros elementos capazes de ligar o réu com os objetos roubados das vítimas e localizados posteriormente pela polícia, então o citado reconhecimento poderia se sagrar fortalecido. Mas tal não ocorreu”.

Apesar de o roubo ter acontecido em novembro de 2013, o delegado responsável pelo inquérito apenas o relatou em março de 2021. Mesmo com este longo período, o acusado não chegou a ser interrogado. A vítima também não foi convidada para a realização de reconhecimento pessoal. Antes de oferecer a denúncia, o MP poderia ter requisitado à polícia diligências que reputasse necessárias ao esclarecimento da autoria, mas não o fez.

“Sob tutela do Estado e à inteira disposição da autoridade policial para a escorreita investigação, não foi ele (réu) sequer levado presencialmente ao distrito policial para reconhecimento pessoal por parte da vítima. Tampouco foi o acusado interrogado pessoalmente nestes autos pela autoridade policial, mas apenas e inexplicavelmente qualificado indiretamente”, criticou Vanessa Barbosa.

Diante da fragilidade do reconhecimento fotográfico e da ausência de outras eventuais provas que deixaram de ser produzidas, a juíza classificou a investigação de “precaríssima”. Devido a dúvidas quanto à autoria, que por ocasião da sentença devem ser solucionadas em benefício do acusado, a magistrada aplicou o princípio do in dubio pro reo para absolvê-lo. O MP recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

Como contraponto à morosidade do trabalho da Polícia Civil, a ação penal se mostrou célere. A denúncia foi oferecida em 19 de agosto de 2021, sendo a sentença prolatada no último dia 4 de março. Testemunha comum das partes, o delegado que comandou as investigações disse em juízo ter concluído ser o réu um dos autores do roubo após um trabalho investigativo, mas sem indicar sequer uma prova concreta de autoria.

*Curta https://www.facebook.com/portalvadenews e saiba de novos conteúdos

CATEGORIA:
Notícia
COMPARTILHE COM: