Juíza afasta “jogo de cartas marcadas” em evento conduzido pelo Papa Francisco
Por Eduardo Velozo Fuccia
“Jogo de cartas marcadas” em licitação por ocasião da XVIII Jornada Mundial da Juventude (JMJ), conforme denunciou o Ministério Público (MP), foi descartado pela juíza Ana Helena Mota Lima Valle, da 26ª Vara Criminal do Rio de Janeiro. No último dia 1º, ela absolveu sumariamente o ex-prefeito da capital fluminense, Eduardo da Costa Paes, e mais seis pessoas. O evento católico mundial foi conduzido pelo Papa Francisco.
Devido a suposto desvio de rendas públicas em proveito próprio ou alheio no valor de cerca de R$ 7,5 milhões, o MP denunciou os réus por fraude a licitação e por crime de responsabilidade. No entanto, a magistrada não vislumbrou delitos nos fatos narrados pelo Ministério Público, após analisar as respostas dos réus à acusação, e inocentou de imediato os acusados, evitando o prosseguimento do processo.
A tese sustentada pelo advogado Marcelo Cruz, que defende o empresário uruguaio Daniel Eugenio Scuoteguazza Clerici, um dos réus, é citada na decisão. Em razão do princípio da culpabilidade vigente no Direito Penal brasileiro, Cruz argumentou que não poderia prosseguir a ação penal devido à falta de indícios de que o cliente e os demais acusados tiveram efetivo “animus” (vontade) de praticar os delitos apontados pelo MP.
Traduzida em linguagem jurídica, essa vontade mencionada pelo advogado é o dolo (intenção), que pode ser específico ou genérico, conforme a descrição legal do delito. Acolhendo a argumentação da defesa, a juíza Ana Helena classificou de “verdadeira ilação (induzimento)” a narrativa constante na denúncia.
“Importante assentar que suposições feitas pelo membro do Ministério Público, dissociadas de qualquer arcabouço probatório, nunca podem servir para embasar a deflagração ou prosseguimento de ação penal, cujos efeitos são deletérios (destrutivos) na esfera pessoal dos envolvidos. O direito de punir estatal deve ser tratado de forma responsável por todos os órgãos envolvidos na Justiça Criminal”, destacou a magistrada.
Os demais absolvidos são Hans Fernando Rocha Dohmann, ex-secretário de Saúde do Rio; João Luiz Ferreira Costa, ex-subsecretário de Atendimento Hospitar, Urgência e Emergência da Secretaria de Saúde; Flávio Carneiro Guedes Alcoforado, ex-subsecretário de Gestão da Secretaria de Saúde; Mario Luiz Viana Tiradentes, pregoeiro da Secretaria de Saúde, e o empresário Leonardo Pan Monfort Mello.
Interesse público
A XVIII JMJ aconteceu no Rio entre 22 e 28 de julho de 2013. Segundo o MP, os agentes públicos e os empresários combinaram o resultado de licitação para o fornecimento de ambulâncias e de outros equipamentos médicos para o evento. Sob o pretexto de ressarcir suposto rombo ao erário, a pedido do MP, a Justiça bloqueou bens e tornou indisponíveis valores dos réus. Com a absolvição, a juíza cancelou tais restrições.
Além de não vislumbrar conluio entre os réus para frustrar o caráter competitivo da licitação, a magistrada concluiu que “a natureza da prestação dos serviços questionados foi essencial ao bom funcionamento do evento, repercutindo na esfera de milhares de pessoas, tudo a demonstrar que houve um inegável interesse público a justificar a escolha político-administrativa”.