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13/10/2017

Juíza condena trio por estupro em boate e repudia tentativa de desqualificar a vítima

Por Eduardo Velozo Fuccia

Justificar um crime sexual pelo suposto exercício da prostituição merece repúdio. Essa afirmação consta de sentença de uma juíza ao condenar três homens pelo estupro de uma adolescente de 17 anos dentro de uma boate, em Santos, porque a defesa dos réus fez esse tipo de insinuação na tentativa de desqualificar a vítima.

“Ainda que fosse garota de programa, é uma mulher como qualquer outra, de modo que apenas deve manter relações sexuais consentidas. O importante é ter restado inegável nos autos a ocorrência de violência sexual”, fundamentou a juíza Lívia Maria de Oliveira Costa, da 2ª Vara Criminal de Santos. Segundo ela, a questão apontada pela defesa sobre a vida privada da adolescente, ainda que ficasse comprovada, é de “absoluta irrelevância”, além de representar desrespeito à vítima.

A violência sexual aconteceu na madrugada de 9 de setembro de 2012, na boate Allure Café, que funcionava no Centro. Apesar de ser menor de idade à época do fato, a vítima teve acesso à casa noturna sem que lhe pedissem documento. Lá dentro, ela ainda consumiu bebida alcoólica oferecida por dois dos acusados.

A juíza reconheceu a menor participação de Thiago Gonçalves Domingos, segurança da Allure, e o condenou a cinco anos de reclusão, em regime inicial semiaberto. Ele não praticou diretamente o estupro, mas colaborou ao levar a vítima aos demais acusados, seus amigos. Leandro Gonçalves dos Santos e Vinícius Pereira Marcatti foram condenados a dez anos de reclusão, em regime fechado.

Os três réus sempre negaram o crime e as suas defesas requereram a absolvição por insuficiência de provas. Porém, a juíza destacou que a negativa dos acusados “restou isolada no arcabouço probatório e em contradição com provas produzidas sob o crivo do contraditório”. Thiago, Leandro e Vinícius poderão recorrer em liberdade.

Além do depoimento da vítima, que reconheceu pessoalmente os três acusados, uma segurança e uma faxineira da boate foram ouvidas em juízo. Ao se referir às duas funcionárias e também a uma amiga da adolescente, a magistrada observou que elas “expressamente mencionaram que o estado em que a ofendida foi encontrada não deixava margem para outra conclusão, se não a da ocorrência de abuso sexual”.

A vítima foi achada caída no chão do banheiro masculino de deficientes físicos. Ela estava desacordada com a blusa levantada e os seios à mostra. A calça e a calcinha estavam arriadas. Além disso, havia ferimentos pelo seu corpo, em especial na boca, que sangrava muito.

Responsável pelo inquérito policial, a delegada Deborah Perez Lázaro também depôs na ação penal. Segundo ela, todas as provas produzidas durante a investigação lhe deram “convicção” de que houve o estupro e que os seus autores foram Thiago, Leandro e Vinícius. Deborah ainda lembrou da ocasião da reconstituição do crime, quando a adolescente quase desmaiou ao entrar no banheiro da boate.

De acordo com o Ministério Público, a vítima se aproximou do segurança Thiago e lhe perguntou sobre o acesso aos camarotes. O funcionário da boate aproveitou a ocasião para apresentar a adolescente para os amigos Leandro e Vinicius, que lhe pagaram bebida e com ela ficaram bebendo e conversando.

Em dado momento, quando a vítima aparentava estar embriagada, o segurança disse para a amiga da adolescente que a levaria até a enfermaria. Porém, não existia este tipo de recinto na Allure Café e Thiago conduziu a garota ao banheiro masculino de deficientes, onde já estavam Vinícius e Leandro.

Preocupados com a demora do retorno da adolescente, a sua amiga e outro rapaz foram procurá-la. Eles descobriram que não existia enfermaria e se depararam com a vítima no banheiro, de onde os acusados já haviam saído.

Ao fixar a pena, a juíza considerou a “extrema violência física não-sexual” contra a vítima, que lhe acarretou ferimentos na boca, no peito e na cabeça; “o completo desprezo à figura da mulher, com aproximação sorrateira para fins de flerte e posterior aproveitamento de sua fragilidade, e, por fim, a “ousadia” dos réus, devido ao local escolhido para o abuso.

A hipótese de a adolescente ter sido vítima do golpe conhecido por Boa noite, Cinderela, no qual é colocada alguma substância na bebida da vítima para dopá-la e facilitar a prática do crime, foi considerada “bastante provável” pela juíza Lívia Costa.

Porém, exame toxicológico realizado mais de dez dias após o fato teve resultado negativo, inclusive para a ingestão de álcool, admitida pela própria vítima e por sua amiga. Sem a comprovação da suspeita de que a adolescente foi dopada com algo clandestinamente colocado em sua bebida, os réus se livraram da acusação de estupro de vulnerável, cuja pena é mais grave que a do estupro.

O caso teve consequências jurídicas na esfera cível. A vítima ajuizou ação por dano moral e os quatro sócios da boate foram condenados a indenizá-la em R$ 180 mil. O juiz José Vitor Teixeira de Freitas, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Santos, destacou que esse valor representa apenas “consolo” para amenizar o “sofrimento íntimo” da jovem.

Em sua decisão, o magistrado conjugou regras do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, fundamentando que o empregador é responsável pela reparação civil dos atos cometidos pelos seus empregados no exercício do trabalho ou em razão dele.

Representando a casa noturna na esfera cível, a advogada Renata Medeiros R. Nagib Aguiar recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo, pleiteando a improcedência da ação ou, pelo menos, a redução do valor da indenização.

Os desembargadores Paulo Galizia, Antonio Celso Aguilar Cortez e Antonio Carlos Villen julgaram o recurso e, por unanimidade, mantiveram a condenação da boate, mas reduziram o valor da indenização.

Segundo o colegiado, a importância de R$ 20 mil de indenização é mais razoável para atender à natureza compensatória da medida, “sem que haja enriquecimento sem causa”, e ao seu “caráter punitivo”. A Allure Café teve as atividades suspensas após o estupro e depois reabriu com novo nome, fechando definitivamente pouco tempo depois.

 

 

 

 

 

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