Júri absolve mandante de homicídio ameaçada de morte pela própria vítima do crime
Por Eduardo Velozo Fuccia
Um Conselho de Sentença majoritariamente feminino (seis juradas e um jurado) reconheceu que uma mulher foi coautora do homicídio a tiros de um homem, na condição de mandante, mas a absolveu devido ao acolhimento da tese defensiva de inexigibilidade de conduta diversa. Os advogados da ré sustentaram que o assassinato só foi ordenado após ela e o filho serem ameaçados de morte pela vítima, que seria “disciplina” de uma facção criminosa. Disputa de terras teria motivado as ameaças.
Na mesma sessão, ocorrida no Fórum de Mairinque (SP), no dia 20 de junho, o sobrinho da ré, acusado de ser o executor, também foi absolvido, mas por não existir prova de que cometeu o crime. Em relação a esse acusado, o próprio Ministério Público (MP) requereu esse desfecho, sendo acompanhado pela defesa. Quanto à tia, o órgão acusador pediu a condenação por homicídio, com o afastamento das qualificadoras do motivo torpe e do emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
Conforme o artigo 22 do Código Penal, quando não se é razoável exigir do acusado outra conduta que não seja a de cometer o crime, a culpabilidade é afastada se houver coação moral irresistível ou estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico. Nesses casos são só punidos quem coagiu ou ordenou. A defesa da corré alegou que ela se enquadra na primeira hipótese. Após admitirem a autoria da acusada, os jurados votaram “sim” no quesito obrigatório que os indagou se a absolviam.
A juíza Camila Mota Giorgetti presidiu o júri. Com base no que decidiu o Conselho de Sentença, ela absolveu a acusada com fundamento no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena. A absolvição do sobrinho foi amparada no inciso V do dispositivo – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal. Como as partes manifestaram que não recorrerão, a magistrada consignou na ata da sessão o trânsito em julgado da decisão.
Presa preventivamente há quase dois anos, a ré teve o seu alvará de soltura expedido logo após o anúncio do veredicto. O seu sobrinho também chegou a ser preso cautelarmente, mas foi solto graças a habeas corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 5 de setembro de 2023. O homicídio ocorreu em uma oficina mecânica no dia 27 de abril de 2022. O autor dos tiros fugiu em uma picape pertencente à ré com outro homem. Por meio de foto, um deles foi reconhecido como sendo o sobrinho da dona do veículo.
Debates
A fragilidade do reconhecimento fotográfico do sobrinho da mandante foi destacada em plenário pelo promotor Thiago Garcia Totaro e pelos advogados Glauber Bez e Mauro Atui Neto. Acusação e defesa convergiram quanto ao pedido de absolvição desse réu, que sempre negou o crime e não foi acusado por ninguém. Em relação ao outro homem visto na caminhonete, as investigações não avançaram. Um suspeito chegou a ser identificado, mas o inquérito policial foi arquivado em relação a ele por falta de provas.
A divergência entre as partes no plenário recaiu sobre a tia do acusado. Sob o argumento de estar comprovada a condição de mandante da ré, o representante do MP pediu aos jurados a sua condenação, com o afastamento das qualificadoras. Os advogados concordaram que a cliente mandou matar a vítima, mas surpreenderam o promotor e o Conselho de Sentença ao pleitearem a sua absolvição. Os defensores sustentaram que ela não teve outra alternativa para salvaguardar a própria vida e a do filho.
Bez e Atui explicaram aos jurados que não se trata de legítima defesa, que exclui o próprio crime e torna lícita a conduta do agente, se verificadas as circunstâncias previstas em lei (artigos 23, II, e 25 do CP). No caso em julgamento, conforme os advogados, não se contesta o homicídio e a sua autoria por parte da ré, porém, o que deve ser afastada é a culpabilidade da acusada, nos termos do artigo 22 do CP. Para isso, os defensores discorreram sobre as ameaças que ela vinha sofrendo da vítima.
Como suporte à sua fala, a defesa citou boletim de ocorrência que a ré registrou em 11 de abril de 2022, há 16 dias do homicídio, na Delegacia de Mairinque. Naquela ocasião, a mulher noticiou que passou a ser ameaçada de morte por A.C.O.F., pois ele reivindicava a propriedade de uma área onde era implantado um loteamento clandestino. A gleba era objeto de ação de usucapião promovida pela acusada. Em juízo, ela esclareceu que as ameaças se estenderam ao filho dela, obrigando-o a parar de frequentar a escola.
Os advogados expuseram aos jurados que o temor sofrido pela cliente foi potencializado com as informações no bairro de que a vítima integrava do Primeiro Comando da Capital (PCC) e exercia a função de “disciplina”. O ocupante desse posto é designado pela facção para aplicar punições a desafetos, de castigos físicos até a pena capital, nas respectivas áreas de atuação. A defesa também citou o interrogatório judicial da ré, na qual ela disse que chegou a ser procurada em casa por A.C.O.F. por três vezes, mas estava ausente.
Foto: Freepik
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