Júri absolve por clemência acusado de atirar na testa da ex-mulher
Por Eduardo Velozo Fuccia
Pacificada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a tese de clemência foi acolhida pelo conselho de sentença em uma sessão do Tribunal do Júri de São Roque (SP) para absolver um jovem acusado de atirar na testa da ex-mulher com um revólver calibre 22. A vítima sobreviveu ao atentado, mas com sequelas. Logo após o crime, o réu disparou contra a própria cabeça e, apesar da gravidade do ferimento, também não morreu.
O juiz Flávio Roberto de Carvalho presidiu o júri no último dia 22 de junho. Sem fazer o uso facultativo da réplica, o promotor Renato Augusto Valadão pediu aos jurados a condenação do réu por tentativa de homicídio qualificado pelo motivo fútil, por ele não aceitar a separação com a ex-mulher, e pelo emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, surpreendida pela atitude inesperada do ex-companheiro.
Na sala especial, durante a votação dos quesitos, os sete julgadores leigos sorteados reconheceram a materialidade e a autoria do crime, na modalidade tentada. No entanto, na pergunta na qual lhes foi indagado se o acusado deveria ser absolvido, conforme dispõe o artigo 483, inciso III, do Código de Processo Penal (CPP), a resposta do conselho de sentença foi “sim”, por 4 votos a 0 (ao se atingir maioria, a contagem é cessada).
Os advogados Glauber Bez, Mauro Atui Neto e Mário Badures requereram a desclassificação para o delito de lesão corporal, mas apresentaram aos jurados as teses secundárias de clemência e de semi-imputabilidade do réu. Com a marcha motora e a fala comprometidas, o acusado foi conduzido amparado ao plenário. Em razão do tiro que levou, a mulher ficou hemiplégica e está com o lado direito do corpo paralisado.
Embora os jurados votem sem fundamentar a decisão, a condição física do réu deve ter influenciado na concessão da indulgência pelo conselho de sentença, que não reconheceu a semi-imputabilidade. Laudo psiquiátrico atesta que o acusado, contumaz usuário de cocaína à época dos fatos, tinha plena capacidade de entender o seu caráter ilícito e de se determinar conforme este entendimento.
O crime aconteceu em 24 de março de 2014, na frente do filho de 2 anos do casal, que escapou ileso. Autuado em flagrante, o acusado teve a prisão convertida em preventiva. Inicialmente, ele permaneceu internado sob escolta policial. Após receber alta, em razão da sua condição clínica, foi beneficiado com prisão domiciliar. Posteriormente, por necessitar se submeter a vários tratamentos, a Justiça lhe concedeu liberdade provisória.
Clemência no STJ
Introduzido ao CPP pela Lei 11.689, de 2008, o quesito “se o acusado deve ser absolvido” engloba a tese de clemência e ainda causa discussão nos meios jurídicos. Quem é contra sustenta que a decisão dos jurados, na hipótese de absolvição, é manifestamente contrária à prova dos autos, devendo o júri ser anulado em sede de recurso de apelação, porque o conselho de sentença reconheceu a materialidade e a autoria delitivas.
A corrente a favor da absolvição por clemência defende a prevalência da soberania dos veredictos no júri (artigo 5º, inciso XXXVIII, letra “c”, da Constituição Federal). Sobre o assunto, em recente entrevista, o ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, da 5ª Turma do STJ, declarou que houve uma pacificação interna no STJ, pela 3ª Seção, no sentido de reconhecer a validade do quesito absolutório.
“Essa absolvição supostamente contrária à prova dos autos é a chamada absolvição por clemência. Na doutrina, há uma divisão. Tem autores que dizem que ela é uma decorrência lógica da modificação que foi feita no Código de Processo Penal em 2008 (Lei 11.689/2008). […] Esse é um tema que está aqui no STJ pacificado, mas temos que ver ainda o que o Supremo vai decidir”, declarou Ribeiro Dantas.
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