Júri é quem deve avaliar se houve agressão ou tentativa de homicídio, decide TJ-BA
Por Eduardo Velozo Fuccia
Diante da existência de vertentes diferentes de prova nos crimes dolosos contra a vida, o juiz togado deve submeter o processo ao Tribunal do Júri, constituído por jurados leigos, que possui a competência constitucional para julgar tais delitos.
Essa observação fundamentou acórdão da 2ª Turma Julgadora da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia. Ele reformou decisão que desclassificou a tentativa de homicídio qualificado atribuído a um jovem para o delito de lesão corporal grave.
Por entender que o réu não agiu com “animus necandi” (intenção de matar), o juiz Paulo Sérgio Barbosa de Oliveira, da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Salvador, desclassificou a tentativa de homicídio, motivando recursos em sentido estrito da defesa e do Ministério Público.
Em seu recurso, a defesa postulou a absolvição sumária, sustentado que o acusado, de 25 anos, agiu em “legítima defesa” de si próprio e de amigos ao tentar repelir suposto ataque da vítima – um jovem de 20 anos.
O MP pleiteou em seu recurso a reforma da decisão do magistrado. Afirmou existir prova de que o acusado teve a intenção de matar a vítima e apenas não atingiu esse objetivo por circunstâncias alheias à sua vontade, devendo o réu ser levado a júri popular por tentativa de homicídio.
“Competirá ao Conselho de Sentença optar pela vertente da prova que lhe pareça mais verossímil, em homenagem ao princípio da soberania dos veredictos”, decidiu a desembargadora Inez Maria Brito Santos Miranda, relatora dos recursos.
A julgadora salientou que o juiz só pode absolver sumariamente o réu quando a prova não admitir controvérsia. Porém, no caso em análise, tanto a legítima defesa alegada quanto a real intenção do acusado não ficaram demonstradas de modo inequívoco.
“Por existirem nos autos duas versões diferentes para os fatos, apresenta-se precipitado subtrair da competência do Tribunal do Júri o julgamento acerca da intenção homicida”, ponderou Inez Miranda. Os demais desembargadores de turma seguiram o seu voto.
Segundo a relatora, apenas os jurados devem deliberar sobre a existência ou não de dolo de matar na conduta do réu, cabendo a eles também examinar a pertinência das qualificadoras do motivo torpe e do recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
O acórdão embasou a sua decisão no princípio do in dubio pro societate, pelo qual a dúvida nessa fase processual não se opera em favor do réu, devendo o Tribunal do Júri analisar os fatos narrados na denúncia e confrontá-los com as provas dos autos.
Laudo pericial
O crime ocorreu no dia 3 de julho de 2019, na Avenida Oceânica, em Ondina, bairro nobre da capital baiana. Um grupo de jovens se envolveu em uma confusão generalizada e Guilherme Machado da Silva agrediu a vítima, “com intenção de matá-la”, segundo o MP.
Conforme a denúncia, após Cayan Lima Silva Santana levar um soco no rosto e cair no chão inconsciente, ele ainda foi chutado no tórax e na cabeça. O réu agiu por vingança, porque já havia brigado com a vítima em um bar na Praia do Forte, no Litoral Norte.
Segundo o acórdão, o laudo comprovou suposto crime doloso contra a vida porque “atestou a ocorrência de risco à vida da vítima, devido a uma contusão pulmonar bilateral e a uma contusão craniana com rebaixamento do nível de consciência”. Cayan ficou internado no Hospital Geral do Estado (foto).
Para o colegiado, seria precipitado afastar a competência do Tribunal do Júri para julgar a intenção do réu, que lesionou a vítima com chutes na cabeça, “quando ela já estava desacordada, possivelmente assumindo o risco de que ela poderia morrer”.
Foto: Reprodução/Instagram
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