Mãe e padrasto de autista de 14 anos vão a júri pelo homicídio do adolescente
Por Eduardo Velozo Fuccia
A mãe e o padrasto de um adolescente autista de 14 anos serão levados a júri popular pelo homicídio do garoto, conforme decidiu a 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). O casal nega ter cometido o crime, alegando que a vítima caiu do sofá na casa da família, em Guarujá. Porém, o laudo necroscópico indica lesões que sugerem violência e são incompatíveis com uma queda de meio metro de altura.
“As diversas fraturas apontadas, aliadas ao quadro de desnutrição e desidratação da vítima, revelam, em princípio, animus necandi, isto é, intenção de matar, não se cogitando a impronúncia dos acusados”, observou o desembargador Hugo Maranzano. Ele foi o relator do recurso em sentido estrito interposto pelo casal contra decisão do juiz Thomaz Correa Farqui, da 1ª Vara Criminal de Guarujá, pela submissão do casal ao júri.
De acordo com o laudo necroscópico, a vítima apresentava face cianótica, fraturas de braço direito e esquerdo, fratura de perna direita e atrofia de membros inferiores. Marazano ressalvou que a pronúncia exige apenas prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes de autoria. “O juízo de certeza é da competência constitucional e exclusiva do tribunal do júri”.
Na fase do inquérito policial e em juízo, o padrasto e a mãe do adolescente relataram que a vítima caiu do sofá quando eles estavam na cozinha e no banheiro, respectivamente. Ao escutarem o barulho vindo da sala, eles se dirigiram até esse lugar da casa e se depararam com o garoto debruçado na poltrona, com a cabeça quase encostando no chão e com um braço torto em forma de “S”.
Os réus também relataram a história da suposta queda no hospital para onde levaram o menino, no final da noite de 27 de novembro de 2022. A versão não convenceu uma médica, porque a vítima apresentava fraturas antigas e já consolidadas em outros membros, além daquela no braço que estava torto. Segundo essa testemunha, o menino ainda estava desnutrido e desidratado, a ponto aparentar apenas 7 anos de idade.
“No limitado espectro de cognição possível na primeira fase do procedimento processual, os recorrentes não lograram demonstrar sua total desvinculação dos fatos. Assim, não houve demonstração inequívoca da ausência de responsabilidade dos réus, com relação aos fatos. […] Diante desse conjunto probatório, inviável subtrair do tribunal popular o exame exauriente da acusação”, decidiu o relator.
Os desembargadores Luiz Antonio Cardoso e Toloza Neto acompanharam o relator. Por unanimidade, eles também mantiveram as três qualificadoras descritas pelo Ministério Público na denúncia e referendadas na pronúncia. “Havendo no conjunto probatório indícios da incidência das referidas circunstâncias, ao magistrado é defeso afastá-las, devendo a análise da questão ser reservada ao juiz natural da causa”, decidiu o colegiado.
Conforme o acórdão, há “indícios robustos” de que o casal agiu por motivo torpe, com crueldade e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima. Segundo o MP, fartos de cuidar do adolescente, com autismo não verbal e capacidade locomotora comprometida, os réus deliberaram, “egoisticamente”, por matá-lo. Para isso, meses antes, deixaram de lhe prestar os cuidados básicos, subnutrindo-o e reduzindo a sua capacidade de defesa.
O caso foi registrado inicialmente na Delegacia de Guarujá como “morte suspeita”. Com base nos laudos necroscópico e da perícia na casa, e nos depoimentos de funcionários do hospital, a Polícia Civil indiciou a mãe e o padrasto da vítima por homicídio. Nessa mesma linha, o MP denunciou a comerciante Marina dos Santos da Silva, de 38 anos, e o técnico em telecomunicações Eric de Souza de Oliveira, de 40.
Com o oferecimento da denúncia, o MP requereu a prisão preventiva da mãe e do padrasto do adolescente Ryan dos Santos Policarpo, de 14 anos. A Justiça deferiu esse pedido, sendo as ordens de captura dos acusados cumpridas na casa deles, no dia 7 de setembro de 2023, quase dez meses após o crime. No julgamento do recurso em sentido estrito, a 3ª Câmara de Direito Criminal manteve a custódia cautelar dos réus.
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