Policial penal se livra de júri após vídeo e laudo colocarem em xeque atentado
Por Eduardo Velozo Fuccia
Sem que se comprove a ocorrência (materialidade) de um crime doloso contra a vida, o réu não deve ser submetido a júri popular, nos termos do artigo 414 do Código de Processo Penal (CPP). Com essa fundamentação, a juíza Denise Gomes Bezerra Mota, da 1ª Vara Criminal de Guarujá, no litoral paulista, impronunciou um policial penal acusado de tentar matar um homem a tiro em uma padaria.
“Não há conclusão segura de que foi efetuado um primeiro disparo, acidental ou intencional, tampouco de que o disparo da arma de fogo foi para o réu se defender da vítima ou para ceifar a vida da vítima, caso tenha sido intencional”, constatou a julgadora. Ela acrescentou que inexistem nos autos indícios suficientes da prática do delito descrito na denúncia, não ficando comprovado eventual dolo de matar do réu.
O suposto delito aconteceu no dia 18 de julho de 2022 e o policial penal foi autuado em flagrante. Na audiência de custódia, ele teve a prisão preventiva decretada e ficou encarcerado um mês. Foi solto após obter a liberdade provisória mediante a imposição das medidas cautelares de proibição de manter contato com a vítima e de se ausentar da comarca, salvo a trabalho.
Advocacia investigativa
Denunciado pela promotora Patrícia Mendonça Barbosa Laport por tentativa de homicídio qualificado pelo motivo torpe, o réu foi defendido pelo advogado Anderson Real Soares. O defensor apresentou na audiência de instrução a filmagem de uma câmera de segurança da padaria. O vídeo reforçou a versão do réu de que não houve disparo, mas um confronto físico, no qual a suposta vítima tentou furtar a arma do policial penal.
A filmagem foi obtida por Real após ele realizar diligência no estabelecimento comercial, constatar a existência de câmeras e solicitar o vídeo ao dono da padaria. Como a Polícia Civil não havia conseguido essa prova e nem o Ministério Público (MP) havia requisitado que se investigasse a sua eventual existência, o advogado peticionou pela juntada da gravação nos autos. O pedido foi deferido pela juíza e o MP alterou o seu posicionamento.
O promotor Victor Conrad Santos Teixeira de Freitas pediu a impronúncia do réu em suas alegações finais, sob a justificativa de não haver qualquer elemento de prova oral que permita privilegiar a palavra de uma parte em detrimento da outra. Ele também reconheceu que “as imagens da câmera de segurança que captou toda a ação também criam fundada dúvida sobre a agressão inicial e o intento homicida do acusado”.
Crime impossível
Real não só pediu a impronúncia, como foi além em sua manifestação final. O advogado sustentou a tese de “crime impossível”, destacando que a perícia realizada na pistola calibre 380 do policial penal teve resultado negativo para disparos recentes. “O laudo diz que não houve tiro, o que é confirmado pela filmagem. Desse modo, seria impossível alcançar o resultado do delito descrito na denúncia”, argumentou.
A magistrada observou que o ofendido e o acusado ofereceram versões contraditórias, enquanto as testemunhas ouvidas em juízo não presenciaram os fatos. Em relação às imagens gravadas, segundo a julgadora, após instantes de aparente diálogo entre as partes, ambas começam a brigar. Porém, a filmagem não mostra o réu sacando a arma ou apontando-a para a vítima, gerando um “cenário de incertezas”.
Embora tenha considerado a impronúncia como a decisão cabível ante a falta de indícios suficientes da prática do crime, a juíza afastou a tese defensiva de crime impossível devido a um adendo do laudo da arma do policial penal. Apesar de atestar que não houve disparo recente na pistola, o perito cogitou que o intervalo de 14 dias entre a ocorrência e a apresentação do armamento para perícia pode ter afetado o resultado do exame.
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