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10/02/2022

Provas frágeis levam à absolvição de sete pessoas no litoral paulista

Por Eduardo Velozo Fuccia

Provas produzidas no inquérito policial são “elementos informativos” que não têm aptidão, por si só, de sustentar uma condenação. Com base neste fundamento, que tem amparo no artigo 155 do Código de Processo Penal (CPP), o juiz Luigi Monteiro Sestari, da Vara Única do Foro de Cananeia (SP), absolveu por insuficiência probatória quatro homens e três mulheres acusados de organização criminosa e corrupção de menores.

Diz o artigo 155 do CPP que “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.

Finalizada a instrução processual, o julgador considerou as provas “demasiadamente frágeis”, que não possibilitaram a comprovação sequer da materialidade dos delitos, quanto mais da autoria. Segundo ele, a precariedade das provas produzidas no inquérito abrangeu desde o reconhecimento dos réus, que não cumpriu as formalidades legais do artigo 226 do CPP, até os depoimentos de testemunhas, não confirmados em juízo.

“A sentença é irretocável, mas os oito meses que o meu cliente e a maioria dos réus ficaram preventivamente presos representa uma pena antecipada por mera presunção, sem condenação de mérito, que nunca será resgatada. O Ministério Público (MP) deveria ter mais cautela e não oferecer esse tipo de denúncia temerária”, declarou o advogado William Cláudio Oliveira dos Santos (foto abaixo).

De acordo com o defensor, ao invés de denunciar diretamente, seria prudente o MP requerer à Polícia Civil diligências sobre inúmeras lacunas e dúvidas deixadas pela investigação. Justamente por esse motivo e considerando que o ônus da prova compete à acusação, William Cláudio orientou o cliente a permanecer em silêncio durante o interrogatório judicial. Os demais réus também exerceram esse direito previsto na Constituição.

“A bem da verdade tratou-se de um processo, ao fim da instrução e da oitiva de todas as testemunhas, claramente temerário, lastreado em provas extremamente frágeis. Na fase inquisitorial, colheram-se apenas declarações de usuários de drogas e supostos ex-traficantes que teriam delatados os réus deste processo como envolvidos em uma organização criminosa que nunca se provou existir”, observou o juiz na sentença.

Entre as 13 testemunhas ouvidas, todas indicadas pelo MP, estão um delegado, dois policiais civis e duas protegidas. Aquelas que apontaram os réus no inquérito como integrantes de uma organização criminosa ligada ao Primeiro Comando da Capital (PCC), não ratificaram a sua versão em juízo, quando ouvidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

Segundo a denúncia, os réus fariam parte da “sintonia 13” da facção, atuando naquela cidade do extremo sul do litoral paulista, na divisa com o Paraná. Acusados de integrar organização criminosa e de corrupção de menores, eles estariam sujeitos a pena de quatro a 12 anos de reclusão, se fossem condenados por ambos os delitos.

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Sestari observou que a “única suposta prova” foram os depoimentos do delegado e dos dois investigadores. Porém, o juiz ressaltou que os policiais se reportaram ao relatório de investigações produzido por eles mesmos, cuja conclusão foi a existência de uma organização criminosa jamais comprovada em juízo.

Para o juiz, “tratou-se de prova inútil, apenas autorreferenciada”, porque os policiais que fizeram a investigação só confirmaram em juízo o próprio trabalho. Outras testemunhas disseram em juízo que não conheciam os acusados, ao contrário do declarado no inquérito, alegando terem sido coagidas para assinar os seus depoimentos na delegacia.

O MP se rendeu à ausência de provas e requereu a absolvição dos réus em suas alegações finais. Ele afirmou que o Estado deve melhor aparelhar a Polícia Civil, no sentido de possibilitar a gravação audiovisual de interrogatórios e depoimentos. Para o órgão da acusação, tal procedimento evitaria mudanças de versões e alegações de abusos de policiais.

“Em que pese eventual gravidade dos fatos imputados, isto não é razão suficiente para assumir o risco do erro judiciário em que consistiria a condenação no presente caso, pois o conjunto probatório é demasiadamente frágil. Nisto consiste o mandamento de otimização contido no princípio do in dubio pro reo”, concluiu o julgador.

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