Réu de 100 anos se livra de júri após magistrado se retratar de decisão de juíza
Por Eduardo Velozo Fuccia
O juiz Vilebaldo José de Freitas Pereira, da 2ª Vara do Tribunal do Júri de Salvador, realizou juízo de retratação de decisão alheia, que havia pronunciado um policial militar aposentado por homicídio qualificado. Como consequência, ele absolveu sumariamente o réu, que atualmente tem 100 anos. O magistrado destacou a idade avançada do acusado, fundamentando a sua sentença em “legítima defesa”. O promotor Luciano Santana Borges interpôs recurso de apelação ao Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).
“Concluo em sede de juízo de retratação e até por ter sido o magistrado que presidiu toda a instrução criminal, que há de se considerar prioritária e básica a versão do acusado centenário, pois nascido em 8 de julho de 1923, já qualificado nos autos, versão realmente extreme de dúvidas, devendo necessariamente afastar e modificar a decisão recorrida, no sentindo de bem acolher e destacar a égide do artigo 25 do Código Penal”, justificou Vilebaldo Pereira.
A absolvição derrubou decisão de pronúncia da juíza Andréa Teixeira Lima Sarmento Netto, para quem o réu deveria ser submetido a julgamento popular porque, conforme as provas dos autos, “subsistem indícios suficientes de autoria quanto ao crime doloso contra a vida retratado na inicial acusatória, ensejando, portanto, a viabilidade da imputação”. Ela destacou que a sua decisão foi simples juízo de admissibilidade da acusação, que não exige os requisitos de certeza de uma condenação.
Seletividade de versões
A discrepância entre os juízes da 2ª Vara do Tribunal do Júri, que agora será objeto de apreciação do TJ-BA, muito resulta da seleção de depoimentos de testemunhas feita por eles ao decidirem. Andréa Sarmento mencionou a versão de uma mulher que presenciou o fato e afirmou ter visto o idoso sacar uma arma de fogo e atirar na vítima, sem que fosse agredido ou empurrado. Foram efetuados três disparos e um deles, por erro de pontaria, atingiu a perna de uma segunda pessoa. Os baleados são um casal. O marido morreu.
A magistrada também citou na pronúncia o depoimento da mulher da vítima fatal. Essa pessoa, que figura no processo como vítima de lesão corporal culposa, conforme a denúncia do MP, relatou que o marido a arrastava pelo braço, “mas não estava brigando”. A depoente afirmou que o policial aposentado interveio no desentendimento do casal, porém, não chegou a ser agredido ou sequer ameaçado antes de atirar três vezes. Uma das balas a atingiu na coxa, ficando alojada perto do osso.
“No caso em análise, afirmar a responsabilidade penal do acusado pelo crime de homicídio qualificado consumado é tarefa que deve ser analisada pela corte popular, juiz natural da causa, de acordo com a narrativa dos fatos constantes da denúncia e com o auxílio do conjunto fático/probatório produzido no âmbito do devido processo legal”, frisou a julgadora. Pela mesma razão, ela manteve a qualificadora do emprego de recurso, ponderando que só poderia afastá-la se fosse manifestamente improcedente.
Em contrapartida, o juiz mencionou os depoimentos de outras quatro testemunhas. Nenhuma delas presenciou o fato e todas atestaram a idoneidade e boa conduta do acusado. O réu alegou em interrogatório que a vítima fatal o empurrou, fazendo-o cair. Ao se levantar, o idoso disse que a vítima veio em sua direção, motivando-o a atirar. Segundo o acusado, o primeiro disparo foi de “advertência”, no chão. O segundo, para baixo, pegou sem querer na perna da mulher. O terceiro atingiu o peito do homem.
“Tendo em consideração as provas técnicas, documentais e testemunhais colhidas neste processo, inclusive os bem elaborados argumentos apresentados pelo centenário, tudo se conclui de que o acusado seguiu rigorosamente as exigências legais, que se valeu da legítima defesa própria e de terceiro frente a agressão atual de que foi vítima”, observou Vilebaldo Pereira. Com esse entendimento, o juiz considerou cabível ao caso o juízo de retratação, previsto no artigo 589 do Código de Processo Penal.
Com a absolvição sumária, ficou prejudicada a remessa ao TJ-BA do recurso em sentido estrito que a defesa do réu interpôs contra a decisão de pronúncia da juíza, mas o MP apelou da decisão do magistrado. Segundo a denúncia, em 22 de agosto de 2021, na capital baiana, Emiliano Melo dos Santos desferiu tiros em Welton Lopes Costa, causando-lhe o óbito e, por erro na execução, atingiu a companheira da vítima, Jenifer Carvalho dos Santos, provocando-lhe lesões corporais.
Foto: Bruno Martins/Unsplash
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