Sentença que reconheceu uso de voz por IA é anulada pelo risco de plágio
Por Eduardo Velozo Fuccia
O uso de inteligência artificial (IA), por si só, não elimina o risco de utilização indevida de direitos de terceiros, pelo contrário, o agrava. Essa ponderação fundamentou decisão da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) ao anular sentença que julgou improcedente ação ajuizada por um dublador profissional pelo suposto uso de sua voz em campanha publicitária de um shopping da Capital.
“A questão dos autos remete a um pressuposto comumente assumido, sem tanta reflexão, de que a inteligência artificial seria capaz de produzir automaticamente respostas (obras, imagens, voz etc) totalmente ‘novas’”, observou o desembargador Costa Netto, relator da apelação. Pelo seu voto, a sentença deve ser anulada para que o juízo de primeiro grau possibilite às partes discutir, por meio das provas, como foi gerada a voz da campanha.
Com trabalhos no Brasil e em outros países, o autor narrou na inicial que o shopping, sem a sua autorização, utilizou a sua voz na campanha de marketing, que foi veiculada em canal de YouTube. Por esse motivo, ele requereu o ressarcimento por danos materiais, pelos benefícios que deixou auferir caso não tivesse ocorrido a violação, além de indenização por dano moral.
Segundo o requerido, o autor não comprovou os fatos constitutivos do direito que alegou, porque a voz utilizada na campanha não lhe pertence. De acordo com o shopping, a voz é produto de inteligência artificial (PIA), produzida artificialmente pela Microsoft com a conversão de texto em fala sintética semelhante à humana, sendo disponibilizada para o uso público.
Para o juiz Caramuru Afonso Francisco, da 18ª Vara Cível de São Paulo, ficou comprovada a não utilização da voz do dublador, por ter sido ela gerada por IA. “Afasta-se a suposição de que a voz utilizada no vídeo é copiada do autor, visto que demonstrado que fora produzida de forma sintética, em recurso disponível gratuitamente para qualquer usuário”.
Cerceamento de defesa
O apelante sustentou no recurso que houve cerceamento de defesa, por não ter sido permitido comparar a sua voz com a usada pelo réu na campanha publicitária. Como prova do alegado, disse que juntou aos autos ata notarial que atesta a semelhança das vozes. No entanto, essa prova sequer chegou a ser apreciada pelo juiz, razão pela qual dever ser anulada a sentença ou, alternativamente, ser julgada procedente a demanda.
De acordo com o relator, a ausência de responsabilidade do réu não decorre do uso de PIA, devendo a sentença ser anulada por cerceamento de defesa e ocorrer os devidos saneamento e instrução. “A IA pode ser instrumentalizada para fins equívocos. Pela sua incapacidade de julgamento moral ou estético, os riscos de plágio e outros tipos de violação a direitos pelo manejo malicioso ou pouco cuidadoso da IA são consideráveis”.
Conforme Costa Netto, não se pode excluir a possibilidade de que, ao usar voz gerada por um software, tenha a ré infringido o dever de cuidado quanto à utilização de PIA, sendo nessa hipótese responsável pelos danos gerados. “Para determinar tal responsabilidade, porém, é necessário maior aprofundamento cognitivo, de forma a produzir estudos sobre a similaridade entre a voz utilizada na campanha publicitária e a voz do dublador”.
Os desembargadores Ramon Mateo Júnior e Débora Brandão seguiram o relator. Sobre a possibilidade de plágio, o acórdão mencionou que a Autoridade de Concorrência da França multou a Google, em março de 2024, em 250 milhões de euros (cerca de R$ 1,3 bilhão) por descumprir acordo anterior, pelo qual se comprometia a respeitar direitos conexos, principalmente matérias jornalísticas, ao alimentar suas ferramentas de IA.
Foto: Freepik
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