Show com verba pública de banda que prega violência à mulher é suspenso na BA
Por Eduardo Velozo Fuccia
O Poder Público tem o compromisso de coibir a violência contra a mulher e quaisquer ações que representem apologia a essa prática, sendo ilógico o erário ser utilizado para financiar justamente aquilo que tem a missão de reprimir. Com essa fundamentação, a juíza Amanda Analgesina Ramos Carrilho Andrade, da 2ª Vara Cível de Serrinha (BA), determinou a imediata suspensão da apresentação que uma banda faria neste sábado (24/6) na Festa de São João do município – distante a 184 quilômetros de Salvador.
“Depreende-se da análise dos trechos que as músicas trazem conotação pornográfica, com frases de apelo sexual, descrevendo atos sexuais entre homem e mulher. Entretanto, para fins de recorte do que interessa a esta demanda, chamam a atenção as frases que veiculam palavrões direcionados ao sexo feminino e sugerem uso de força contra a mulher sem preocupação com o assentimento desta”, observou a julgadora, na quinta-feira (22), ao apreciar pedido do Ministério Público em ação civil pública (ACP).
Com inexigibilidade de licitação, a banda ‘O Erótico’ foi contratada para realizar show no São João de Serrinha. O MP promoveu a ACP sob a alegação de que o grupo “executa em suas músicas, letras e coreografias forte incentivo à violência, discriminação e à coisificação da mulher, reduzindo-a a objeto sexual, numa verdadeira subjugação do sexo feminino”. Liminarmente, o autor requereu a rescisão do contrato e a proibição de que outros sejam celebrados com artistas cujo repertório faça apologia à violência de gênero.
“A título de exemplo, em certos versos a mulher é xingada de ‘filha da puta’, ‘safada’, assim como o eu lírico refere que ‘bate, bate, bate’, que ‘surra, surra, surra’ e ‘bate com vontade’ em sua parceira. […] Diante disto, sobretudo em sede de cognição sumária, o conteúdo das canções efetivamente não se alinha com as ações públicas instituídas em favor das mulheres, com relação às quais o ente federado possui o compromisso legal de concretização”, frisou a juíza.
O pedido liminar foi concedido parcialmente apenas para suspender a execução do contrato com a banda ‘O Erótico’. O pleito do MP para que o Município de Serrinha também se abstenha de contratar outros artistas com perfil similar foi negado. De acordo com Amanda Andrade, a linha entre o que é manifestação cultural e o ilícito é tênue, não podendo o Judiciário “expedir mandamento que abstratamente proscreva a contratação com fundamento em conceitos abertos dissociados de um caso concreto”.
Segundo o MP, as letras da banda ‘O Erótico’ afrontam dispositivos da Constituição Federal, da Constituição da Bahia, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), da Lei 11.340/2006 (Maria da Penha), da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Em sua decisão, a juíza incluiu a esse rol a Lei Estadual 12.573/2012.
Conhecida como “antibaixaria”, a legislação baiana instituiu a proibição do uso de recursos públicos para a contratação de artistas que, em suas músicas, desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres a situação de constrangimento, ou contenham manifestações de homofobia, discriminação racial ou apologia ao uso de drogas ilícitas. A julgadora anotou a construção pelo ordenamento jurídico brasileiro de um “verdadeiro arcabouço protetivo dos direitos das mulheres”.
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Reportório autoral
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