TJ anula multa imposta a motorista acusado de não realizar teste do bafômetro
Por Eduardo Velozo Fuccia
No conflito entre regras do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e do Código de Processo Penal (CPP), por força do sistema penal, que é unitário, deve prevalecer a mais benigna ao acusado. Assim decidiu a 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) ao anular multa de trânsito e procedimento administrativo de suspensão do direito de dirigir impostos a um operador de máquinas.
De acordo com o colegiado, o agente que emitiu o auto de infração, devido ao operador de máquinas supostamente se recusar a realizar o teste do bafômetro, tinha o ônus de comprovar a negativa do motorista, mas não o fez. A multa foi lavrada em fiscalização do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), em Guarujá, no dia 15 de março deste ano.
O Artigo 165-A do CTB considera infração “gravíssima” a conduta de quem se recusa a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa. O operador de máquinas afirma que não se recusou a realizar o teste do bafômetro, cujo resultado foi negativo. Caso fosse positivo, ele estaria sujeito à prisão em flagrante por embriaguez ao volante.
O operador de máquinas constituiu o advogado Ivan Terra Bento (foto), que ajuizou ação contra o Detran para anular a multa de trânsito no valor de R$ 293,47 e o procedimento administrativo de suspensão do direito de dirigir por 12 meses. Prolatada no último dia 6 de setembro, a sentença foi desfavorável ao motorista.
O juiz Cândido Alexandre Munhóz Pérez, da Vara da Fazenda Pública de Guarujá, decidiu que cabia ao operador de máquinas, na condição de autor da ação, comprovar que se submeteu ao teste do bafômetro e que o resultado foi negativo. O magistrado fundamentou que a autuação de trânsito, por ser ato administrativo, se reveste de presunção relativa de veracidade e legitimidade.
Êxito recursal
Inconformado com a decisão de primeiro grau, o advogado Ivan Terra Bento recorreu ao TJ-SP e reverteu a sentença, que ainda havia condenado o cliente ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em R$ 800,00. A apelação foi julgada no último dia 13 e teve como relator o desembargador Ricardo Dip.
Em uma análise sistemática da legislação, Dip observou que não se pode obrigar um condutor de veículo a se submeter a procedimento de aferição de influência de álcool em seu organismo, porque isso seria admitir a possibilidade de o acusado produzir prova contra si próprio. Criticou que em regimes tido por democráticos “falece o in dubio pro reo (princípio pelo qual, na dúvida, se absolve) em prol de supostos interesse públicos”.
O relator citou o Artigo 186 do CPP, que garante ao acusado o direito de permanecer calado durante o interrogatório, e o parágrafo único da mesma regra: “o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”. Desse modo, quem cala consente não passa de dito popular sem abrigo na Justiça criminal.
“Nesta situação conflitiva, há de prevalecer a regra do Código de Processo Penal, já por mais benigna, já por sua proximidade do critério do in dubio pro reo, já por exigir, prudentemente, a prova por quem acusa”, frisou Dip. Os desembargadores Jarbas Gomes e Oscild de Lima Júnior acompanharam o voto do relator para anular a multa e o procedimento administrativo.
Conforme o acórdão, o acusado não pode ser obrigado a produzir prova contra si próprio e a sua eventual recusa neste sentido, por ser lícita, não lhe pode acarretar presunção de culpa. A 11ª Câmara de Direito Público também condenou o Detran a pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios, isentando o autor da ação destas custas.