TJ-MG afasta exploração sexual e condena padre por estupros de vulneráveis
Por Eduardo Velozo Fuccia
Oferecer dinheiro a menor de 14 anos para com ele praticar atos libidinosos caracteriza o crime de estupro de vulnerável, descrito no artigo 217-A do Código Penal, não cabendo a imputação do delito de submeter, induzir ou atrair criança ou adolescente à prostituição ou a outra forma de exploração sexual (art. 218-B, caput, do CP).
A razão para prevalecer o crime do artigo 217-A reside no fato de o autor do delito ser o beneficiário da oferta em dinheiro. A 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) aplicou esse entendimento ao dar provimento a recurso de apelação ao Ministério Público (MP) para condenar um padre por estupro de vulnerável, na forma tentada, contra dois meninos, de 12 e 13 anos à época dos fatos.
“Nenhum elemento probatório produzido autoriza a conclusão de que a vítima foi submetida ao exercício de prostituição ou exploração sexual – sendo certo que o oferecimento de dinheiro pelo réu, por si só, não faz subsumir a sua conduta ao tipo do art. 218-B do Código Penal, pois os valores foram ofertados como forma de convencimento dos menores, na tentativa de satisfazer sua própria lascívia”, justificou o desembargador Paulo Calmon Nogueira da Gama, relator da apelação.
De acordo com o julgador, caso os menores tivessem aceitado a oferta do réu, estaria consumada a prática de libidinosos contra ambos. “Assim, comprovado que o réu tentou praticar atos libidinosos com as vítimas, deve ser ele condenado por dois crimes de estupro de vulnerável tentado”.
Os desembargadores Marcílio Eustáquio Santos e Cássio Salomé acompanharam o voto do relator, inclusive para reconhecer a ocorrência de crime continuado. O réu investiu contra um garoto de cada vez, em um intervalo de cerca de um mês. Conforme o acórdão, “sendo da mesma espécie e tendo sido cometidos nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, impõe-se o reconhecimento da continuidade delitiva”.
Para cada delito de estupro de vulnerável foi aplicada a pena de dois anos e oito meses de reclusão, já operada a redução referente à tentativa. Por se tratarem de sanções idênticas, em razão da continuidade, foi considerada uma delas, elevando-a em um sexto e tornando-a definitiva em três anos, um mês e dez dias, em regime aberto. O colegiado vetou a possibilidade de substituição por penas restritivas de direitos ou a sua suspensão, pela ausência dos requisitos legais previstos nos artigos 44 e 77 do CP.
Sob o argumento de que o acusado agiu com desígnios autônomos em cada delito, o MP pleiteou em seu recurso o reconhecimento do concurso formal impróprio (art. 70, segunda parte, do CP), cuja consequência importa na soma das penas. Porém, a câmara julgadora afastou essa tese, pois os crimes foram praticados mediante mais de uma conduta e o concurso formal é aplicável à hipótese de uma única ação ou omissão.
Nova tipificação
Em primeira instância, o padre foi condenado à pena final de três anos e seis meses de reclusão, em regime aberto, substituída por duas restritivas de direitos. Porém, a sanção se referiu ao crime do art.218-B, caput, do Código Penal (favorecimento da prostituição de criança ou adolescente), na forma tentada e em continuidade delitiva.
O MP recorreu para que o réu fosse condenado por estupro de vulnerável, após a aplicação da emendatio libelli (artigo 383 do Código de Processo Penal), que possibilita ao juiz atribuir nova definição jurídica ao fato narrado na denúncia. Outro pedido do órgão acusador foi a aplicação do concurso formal impróprio.
A defesa do padre também apelou e pleiteou a absolvição por ausência de prova. O réu negou os delitos e, em juízo, atribuiu a acusação das vítimas a um suposto “ranço”, porque discutiu com alguns meninos por jogarem bola na frente de sua casa, causando incômodo. O acórdão rejeitou essa versão por considerá-la “isolada” nos autos. “Como se sabe, em crimes desta natureza, embora não seja absoluta a palavra da vítima, ainda que menor, quando coerente, apresenta relevante valor probatório”, frisou o relator.
De acordo com os garotos, o réu lhes ofereceu R$ 20,00 para que o deixassem fazer sexo oral neles. Diante da recusa, o acusado elevou a oferta para R$ 50,00, recebendo nova negativa. O primeiro caso que veio à tona, em março de 2014, foi o do menino de 12 anos. Ele chegou em casa chorando e contou o ocorrido à família. Com a repercussão, a outra vítima se encorajou e disse que, no mês anterior, sofrera investida similar do padre.
Posição da Igreja
Na época, o bispo diocesano de Uberlândia, dom Paulo Francisco Machado, divulgou “nota ao público em geral” para informar que, embasado nas leis da Igreja Católica, afastou de imediato o padre José Maria Pinheiro das suas funções sacerdotais. Atualmente com 57 anos, o acusado exercia o seu ofício religioso na cidade de Araguari.
Conforme o comunicado, “a Igreja, mãe e mestra, não pode aceitar qualquer tipo de comportamento contrário aos princípios da moral e ética cristãs destinados ao reto modo de viver de todos os seus filhos e filhas, chamados a um contínuo processo de conversão de todo tipo de pecado. Declaramos ainda que a Igreja não é responsável por atos particulares de seus membros”.
Por fim, o pronunciamento oficial reforçou: “Ao clérigo culpado, e tão somente a ele, deve ser imputado o comportamento reprovável que viola não somente o Direito Penal brasileiro, mas também as leis eclesiásticas. Nesse sentido, a Igreja se colocará à disposição da Justiça no intuito de esclarecimento de todos os fatos. Ressalta que tomará rigorosamente todas as providências exigidas pela lei canônica e civil para apurar os fatos e, se houver culpa, punir o responsável”.
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