TJ-MG mitiga laudo cadavérico e livra homem de júri por morte de mulher em motel
Por Eduardo Velozo Fuccia
Não há hierarquia entre as provas e, ao decidir, motivadamente, o juiz é livre para lhes dar o valor que considerar adequado, diante das peculiaridades do caso concreto. Com essa fundamentação, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) mitigou o laudo do exame necroscópico que apontou traumatismo craniano como a causa da morte de uma mulher em um motel e livrou o homem acusado de matá-la do júri popular. Segundo o colegiado, a perícia não forneceu indícios suficientes de autoria.
“Após debruçar-me sobre todo o acervo probatório e analisar minuciosamente a prova, deparei-me com uma situação, a meu ver, inusitada e rara, na qual, a prova pericial não encontra supedâneo na prova testemunhal, esta que não sustenta indícios de autoria”, anotou o desembargador Valladares do Lago. Conforme o laudo, a vítima morreu de traumatismo craniano produzido por instrumento contundente. Em seu voto, o julgador destacou a prevalência do princípio do livre convencimento motivado.
Relator do recurso em sentido estrito interposto pelo réu, Lago baseou a sua decisão no artigo 182 do Código de Processo Penal (CPP), conforme o qual “o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte”. O relator acrescentou que entendimento contrário “importaria no absurdo de se atribuir ao perito a função judicante, visto que suas conclusões mostrar-se-iam imperativas e inafastáveis”. Os desembargadores Eduardo Brum e Doorgal Borges de Andrada seguiram o seu voto.
A mulher morreu no dia 24 outubro de 2011, no município de Tupaciguara. Com base no laudo necroscópico, o Ministério Público denunciou o homem que a acompanhava no motel por homicídio qualificado pelo meio cruel e pelo emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima. A inicial acusatória foi recebida em dezembro de 2015 e, ao fim da instrução processual, o juízo de primeiro grau pronunciou o réu por considerar provada a materialidade do crime e vislumbrar indícios suficientes de autoria.
Para evitar que fosse levado a júri por um delito hediondo e punível com reclusão de 12 a 30 anos de reclusão, o acusado interpôs recurso em sentido estrito em agosto de 2023. A sua defesa pleiteou a impronúncia, sustentando que, independentemente do resultado do exame cadavérico, não ficou provada suposta agressão à vítima. Acrescentou que a própria perícia não detectou quaisquer marcas externas no corpo da mulher, como hematomas e arranhões, sugestivas de violência física.
Segundo o relator, não há indícios de que o recorrente, dolosa ou até mesmo culposamente, tenha produzido o traumatismo craniano e causado a morte da vítima. “O réu, para ter matado a vítima da forma descrita na denúncia, teria que ser perito em ocasionar uma lesão de tamanha gravidade sem sequer ter deixado marcas nela, até mesmo de defesa pessoal, e também nele, porque o ACD (auto de corpo de delito) atesta que ele não apresentava lesões”.
Depoimentos
Lago mencionou os depoimentos de funcionárias do motel. Elas relataram que se dirigiram à suíte ocupada pelo casal, após o acusado pedir socorro em razão de a sua acompanhante estar “passando mal”. O quarto estava “impecável”, sem qualquer sinal de luta corporal. Em relação ao acusado, as testemunhas relataram que ele colocava o dedo na boca da vítima para tentar “desenrolar” a língua dela e chegou a receber uma mordida. Quanto à mulher, as depoentes contaram que ela estava desacordada.
No inquérito policial e em juízo, o réu negou o crime ou qualquer discussão com a mulher. O homem disse acreditar que a vítima tenha sofrido uma “convulsão” durante o ato sexual, momentos após chegarem à suíte, porque ela começou a “enrolar a língua” e perdeu os sentidos. Ainda conforme o acusado, a sua acompanhante não caiu no quarto ou no banheiro, que sequer chegou a ser utilizado, e nem bateu a cabeça na cabeceira da cama ou em outro lugar que justificasse o traumatismo craniano apontado pela perícia.
A vítima foi levada de ambulância à Policlínica de Tupaciguara, onde foi constatada a sua morte. Dessa unidade, o corpo foi removido ao Instituto Médico-Legal (IML) de Araguari no veículo de uma funerária, cujo motorista revelou que o cadáver “escorregou” de suas mãos e caiu no chão ao ser passado da maca para o caixão de fibra de vidro. Tanto na polícia quanto na fase processual, essa testemunha detalhou que escutou o barulho da cabeça da falecida batendo no solo, causando-lhe uma lesão.
De acordo com o relator, a prova testemunhal não aponta indícios de que o recorrente matou a vítima, golpeando-a na cabeça. Além disso, a versão do réu não diverge do relato das demais pessoas ouvidas em juízo, tornando plausível a narrativa de que o casal mantinha relação sexual quando a mulher começou a passar mal, com dificuldades respiratórias, e o homem, ao tentar desenrolar a língua dela, ficou com o dedo “travado” pelos dentes da acompanhante.
Segundo o acórdão, não houve discordância com o resultado do laudo necroscópico, mas a ressalva de que o exame cadavérico apenas indicou a provável causa da morte, sem apontar indícios de autoria. Nesse caso, o recurso da defesa deve ser provido para impronunciar o acusado com respaldo no artigo 414 do CPP. Conforme essa regra, “não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado”.
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