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14/12/2022

TJ-SP absolve policial condenado a 15 anos após reconhecimento “induzido”

Por Eduardo Velozo Fuccia

A identificação pessoal do réu feita em juízo pelas vítimas “não é confiável” quando ela está “viciada pelo indutivo reconhecimento realizado em sede policial” e não é confirmada por qualquer outro meio de prova. Com essa fundamentação, a 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) absolveu por unanimidade um fotógrafo técnico pericial acusado de roubo a residência.

A juíza Patrícia Suárez Pae Kim, da 1ª Vara Criminal de Campinas, sentenciou o fotógrafo pericial a 15 anos, seis meses e vinte dias de reclusão, em regime inicial fechado, vedada a possibilidade de apelar solto. Como efeito da condenação, a julgadora decretou a perda do cargo de policial civil, conforme previsão do artigo 92, inciso I, letra “b”, do Código Penal (pena superior a quatro anos). Rogério Pinheiro Leão recorreu.

Para o desembargador João Morenghi, relator do recurso de apelação, “restou patente que o reconhecimento inicial, realizado em sede policial apenas por meio fotográfico e sem o devido respeito à forma estabelecida no artigo 226 do Código de Processo Penal, influiu para que as vítimas voltassem a simplesmente confirmá-lo em juízo, uma vez que voltaram a ver a mesma pessoa, agora entre outras pessoas que nunca haviam visto”.

Arma perdida

Lotado no Instituto de Criminalística de Barretos e morador em Ribeirão Preto, o apelante foi vinculado ao roubo ocorrido em Campinas porque um revólver Taurus calibre 38, de sua propriedade, foi esquecido ou perdido pelos ladrões no imóvel assaltado. O crime ocorreu por volta das 4h30 de 9 de junho de 2021, sendo apenas Leão identificado por causa da arma. Mais cinco homens participaram do delito.

Pela pesquisa do revólver, chegou-se ao nome do fotógrafo e a sua foto foi exibida isoladamente ao dono da casa, onde também estavam a sua mulher e as duas filhas menores do casal. Leão teve a prisão temporária decretada, que depois foi convertida em preventiva. Até ser cumprido o seu alvará de soltura por força do acórdão absolutório, ele permaneceu 461 dias encarcerado do Presídio Especial da Polícia Civil, em São Paulo.

Defendido pelos advogados Ivelson Salotto e João Francisco Soares, o recorrente nega o crime. Ele alegou que esqueceu o revólver no banheiro do Terminal Rodoviário do Tietê, em 2018, e não registrou boletim de ocorrência sobre o extravio porque na época prestava concurso público de agente da Polícia Federal e ficou receoso de que o episódio gerasse procedimento e administrativo e o prejudicasse, caso fosse aprovado.

Vídeos e celular

Duas testemunhas afirmaram em juízo que o fotógrafo pericial lhes contou sobre a perda da arma e a justificativa dele para não ter registrado boletim de ocorrência. Laudos periciais não identificaram qualquer fragmento de impressão digital ou genético do apelante em objetos ligados ao cenário do crime. Outras provas produzidas pela defesa fortaleceram ainda mais a inocência do recorrente.

“A defesa produziu prova contundente a confirmar a hipótese de que o reconhecimento foi viciado, assim afastando a autoria delitiva por parte do apelante”, frisou o relator. Análise do celular do réu, em especial do seu sistema de rastreamento por GPS, comprovou que o aparelho permaneceu na casa dele durante o momento do crime. Imagens de câmeras de segurança também o afastaram do local do roubo.

Uma dessas câmeras fica em frente ao consultório de uma terapeuta holística por quem o acusado foi atendido. O vídeo mostra o policial e a sua mulher se despedindo da profissional, às 21h41, no dia 8 de junho de 2021. A clínica fica em Ribeirão Preto, cidade situada a 220 quilômetros da casa roubada, em Campinas. Momentos depois, às 22h03, outra câmera registrou o casal chegando de carro em sua residência.

O segundo vídeo, de câmera vizinha ao endereço do recorrente, mostra a abertura do portão basculante da garagem para o ingresso do veículo. Ainda conforme a filmagem, o apelante apenas saiu imóvel no dia seguinte, às 9h02, para passear a pé com os seus cachorros. O carro do policial permaneceu na casa durante esse período. Laudo de perito oficial não detectou manipulação/adulteração dos vídeos analisados.

O fotógrafo pericial ficou 461 dias no Presídio Especial da Polícia Civil, na Zona Norte de São Paulo

Estranheza

As vítimas disseram que o fotógrafo pericial retirou a máscara que usava durante o roubo para falar com elas. “Este relator, que vem judicando na seara criminal há mais de 40 anos, confessa que nunca se deparou com um caso assim, pois foge à lógica e à razão que um assaltante que ingressa mascarado numa residência para roubar possa tirar o disfarce no meio do roubo a fim de conversar com a vítima”, estranhou Morenghi.

O relator manifestou maior surpresa com o fato de o ladrão “esquecer” o seu “instrumento de trabalho” no local que invadiu. “O acusado é policial civil, fotógrafo, portanto habituado com cenas de crime, o que causa ainda mais perplexidade que houvesse ele agido com tanto descuido. Convenhamos que isso é um pouco demais para merecer a credibilidade que recebeu”.

Os desembargadores Paulo Rossi e Amable Lopez Soto seguiram o relator para absolver o acusado com fundamento no artigo 386, inciso IV, do CPP (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal). Segundo o colegiado, “lamentavelmente desrespeitadas neste caso durante a fase inquisitiva”, as normas do artigo 226 do CPP servem para evitar que as vítimas sejam induzidas a reconhecer pessoas inocentes.

Afastado da função desde que foi preso, Leão espera reassumi-la em breve. A perda do cargo decretada na sentença não chegou ser efetivada porque não houve tempo hábil entre essa decisão e o acórdão, que já transitou em julgado. Diagnosticado com estresse pós-traumático, ele está tomando remédios para ansiedade e depressão. “Esse episódio foi bastante desgastante. Tudo ficou invertido e tive que provar a minha inocência”.

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