TJ-SP absolve réu condenado pelo furto de bicicleta que alega ser sua
Por Eduardo Velozo Fuccia
Condenado pelo furto de uma bicicleta cujo dono não foi identificado, mas que alega ser ele próprio, um jovem de 21 anos teve a sentença reformada pela 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Por unanimidade, o colegiado deu provimento ao recurso de apelação interposto pela Defensoria Pública e absolveu o réu por insuficiência de prova. O acórdão destacou que o Ministério Público (MP) não cumpriu o seu ônus de comprovar a autoria do suposto delito, registrado por câmeras.
Segundo a denúncia do MP, na tarde de 3 de abril de 2023, câmeras de segurança da Prefeitura de Santos flagraram um homem vestido de bermuda cinza e camiseta vermelha se aproximar da bicicleta, na Praça dos Bandeiras, orla da Praia do Gonzaga. O suspeito retirou um alicate da mochila que carregava nas costas e rompeu o cadeado do cabo de aço que prendia o veículo. Um funcionário do sistema de videomonitoramento alertou a Guarda Civil Municipal, que deteve o acusado nas imediações.
Além da bicicleta, foram apreendidos o alicate e outras ferramentas que o suspeito levava na mochila. No 7º DP, ele invocou o direito constitucional de permanecer calado e foi autuado por furto qualificado pela destruição de obstáculo. Em audiência de custódia, a juíza Andrea Aparecida Nogueira Amaral Roman converteu em preventiva a prisão em flagrante, porque o acusado possui várias passagens. “O custodiado faz do cometimento de crimes meio de vida e, portanto, sua liberdade coloca em risco a ordem pública”.
Ônus transferido
O silêncio do réu no interrogatório policial foi substituído em juízo pela versão de que ele, na realidade, é o dono da bicicleta e a comprou na “feira do rolo”. De acordo com o acusado, ele perdeu a chave do cadeado do cabo de aço e foi até a sua casa buscar o alicate para rompê-lo. No entanto, esse argumento não convenceu a juíza Carla Milhomens Lopes de Figueiredo Gonçalves De Bonis, da 2ª Vara Criminal de Santos, para quem caberia à defesa comprovar a propriedade do veículo.
“Muito embora até o presente momento não exista informação sobre o proprietário da bicicleta, é forçoso reconhecer que a alegação do réu em juízo está absolutamente isolada nos autos. (…) Ainda que inexistente a nota fiscal para comprovação da propriedade, como alegado, prova testemunhal poderia ter sido produzida nesse sentido. (…) Na ausência de produção de qualquer indício de legalidade de seu ato, não há outra saída, senão a condenação”, concluiu a magistrada.
De Bonis assinalou que a sua decisão “não se cuida de presumir esse fato, mas de deduzi-lo das circunstâncias provadas, autorizadoras dessa conclusão (Código de Processo Penal, artigo 239) e que, não fosse esta verídica, poderia ser coerentemente desfeita pelo réu”. Ela fixou a pena em dois anos e quatro meses de reclusão, estabelecendo o regime semiaberto para o início de seu cumprimento. A magistrada manteve a prisão preventiva devido à permanência do “risco à ordem pública”.
In dubio pro reo
A sentença foi prolatada em 18 de setembro de 2023 e motivou o defensor público Rafael Braga Vinhas a interpor a apelação, julgada no último dia 23 de janeiro. Relator do recurso, o desembargador Amable Lopez Soto considerou incontroverso o fato de o réu ter rompido o cadeado que prendia a bicicleta, levando-a consigo. Contudo, conforme frisou o julgador, o MP não fez prova de que o bem não pertencia ao acusado. Soto acrescentou: “Não foi identificada qualquer vítima de eventual subtração”.
Segundo os guardas municipais, no momento da abordagem, o acusado lhes teria admitido o furto, mas tal fato foi desprezado pelo relator. “Nem se diga que a confissão informal, aliada ao fato de que permaneceu silente na fase inquisitiva sejam indícios da autoria delitiva. Nem tampouco se alegue que a ausência de prova (por parte do réu) da propriedade do bem seja suficiente para demonstrar que a bicicleta não lhe pertencia. (…) Ocorre que incumbe ao órgão acusador a produção de provas da autoria delitiva”.
Soto finalizou que a alegação do recorrente não eximiu o MP do ônus de provar a acusação, devendo o apelante ser absolvido “em homenagem ao princípio in dubio pro reo”. Também julgaram a apelação os desembargadores Sérgio Mazina Martins e Nogueira Nascimento. O acórdão determinou a expedição do alvará de soltura do acusado. Sem que se saiba quem é o seu dono, a bicicleta continua apreendida. Com marcha e amortecedor dianteiro, ela é uma Gonew Endorphine 6.1, de cor preta e aro 26.
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