TRT-2 mantém condenação de igreja por líder chamar funcionária de “endemoniada”
Por Eduardo Velozo Fuccia
A 17ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) negou provimento ao recurso interposto pela Igreja Mundial do Poder de Deus contra a sentença que a condenou por dano moral. O ilícito civil decorreu de falas ofensivas de seu líder, o apóstolo Valdemiro Santiago, dirigidas a colaboradores em greve.
A demanda foi ajuizada por uma funcionária. Além de direitos trabalhistas, ela também reivindicou indenização por dano moral, porque o apóstolo chamou os colaboradores grevistas de “endemoniados, incrédulos e avarentos”. Por entender que houve a ofensa de natureza extrapatrimonial, a igreja foi condenada a indenizar a autora em R$ 15 mil.
“Há evidências suficientes de que o representante da reclamada se referiu aos grevistas (entre os quais, a reclamante) como “endemoniados, incrédulos e avarentos”, ameaçando-os de demissão em transmissão televisionada. Evidenciada, assim, a lesão extrapatrimonial à autora”, concluiu o desembargador Homero Batista Mateus da Silva.
Relator do recurso ordinário trabalhista, Silva também manteve o valor da indenização, negando pedido subsidiário de redução formulado pela recorrente. “A ré é instituição de grande porte, circunstância que permite o arbitramento da indenização em compatibilidade a esta condição econômica”, justificou.
O requerimento principal do recurso da igreja foi o de nulidade da sentença, sob a alegação de que houve “cerceamento de defesa”, porque a sua advogada teve perguntas indeferidas e ainda ficou sem conexão com a internet durante determinado momento da audiência virtual, não podendo contraditar uma testemunha da autora.
Silva rejeitou tais alegações, apontando a sua extemporaneidade e a ausência de amparo fático ou legal para seu acolhimento, porque sequer ficou demonstrada a falha técnica relatada. “Apenas após a prolação da sentença recorrida é que a reclamada articula a alegada nulidade, o que não se coaduna com a disposição do artigo 795 da CLT”.
O relator anotou que, “sem produzir qualquer prova concreta que pudesse infirmar o teor das gravações, corroborado pelo depoimento testemunhal”, a ré não negou os fatos e apenas argumentou que a fala do líder religioso foi retirada de contexto ao ser “pinçada” de vídeos do Youtube juntados pela reclamante.
As desembargadoras Maria Cristina Christianini Trentini e Anneth Konesuke seguiram o relator, confirmando na íntegra, pelos seus próprios fundamentos, a sentença da juíza Fernanda Zanon Marchetti, da 3ª Vara do Trabalho de São Paulo. A decisão de primeiro grau foi prolatada em 4 de setembro de 2023. O acórdão é do dia 28 de fevereiro.
Culto televisionado
As ofensas atribuídas ao apóstolo, segundo os autos, ocorreram durante um culto do qual participavam centenas de fiéis e que era televisionado. O líder da igreja criticou os seus funcionários grevistas, chamando-os de “indignos” de trabalharem com ele, porque jogadores de futebol com cinco meses de salários atrasados não fazem greve.
Durante a pregação, Valdemiro Santiago ameaçou “terceirizar tudo” e demitir todos os funcionários, por causa da greve deflagrada por parte dos colaboradores, os quais chamou de “endemoniados, incrédulos e avarentos”. Na inicial, a autora narrou que “recebeu palavras de difamação e injúria do apóstolo”.
“A crença religiosa não pode servir de escusa para agredir pessoas, de forma deliberada, qualificando-as pejorativamente. Palavras impensadas ditas em um púlpito diante de milhares de pessoas (fiéis seguidores) devem ser frontalmente repudiadas pelo poder Judiciário”, destacou a juíza Fernanda Marchetti.
De acordo com a magistrada, a sua sentença não se confunde com afronta à liberdade religiosa ou controle das pregações, “mas de coibir abusos praticados, que poderiam incitar violência na multidão. Desse modo, resta evidenciada a responsabilização civil aventada e, como consectário, o dever de indenizar”.
O acórdão registrou pesar em desfavor da recorrente o fato de as ofensas terem sido proferidas dentro do templo, na presença de grande número de frequentadores, além do que “havia transmissão da ‘pregação’ em rede televisiva, como se extrai das próprias declarações gravadas, com potencial de atingir grande público”.
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