Vidente é condenada a devolver dinheiro que recebeu para ‘amarrar amor’
Por Eduardo Velozo Fuccia
A promessa era de um trabalho espiritual infalível e célere. Em três dias, por R$ 800,00, o amor da vida de uma mulher seria trazido de volta. Porém, após este prazo, ela precisou desembolsar mais R$ 9 mil. A reconciliação não aconteceu e a crise afetiva se agravou. Segundo o juiz Cláudio Pereira França, o “serviço de vidência” não passou de um golpe. A responsável pela amarração amorosa foi condenada a ressarcir o prejuízo da vítima.
A ação tramitou pela 2ª Vara Cível do Fórum Regional do Tatuapé, na Zona Leste de São Paulo. Sandra Aparecida Gaichi foi citada e não apresentou contestação, sendo-lhe aplicados os efeitos da revelia quanto aos fatos narrados pela vítima. Nas redes sociais, a ré se apresenta como “sensitiva espiritual Lyra” e oferece aconselhamento espiritual e atendimento personalizado, mediante consultas de cartas, tarô, runas e búzios.
O advogado da vítima conta na petição inicial que a cliente, em abril de 2020, passava por uma crise em seu relacionamento e, atraída pela propaganda da sensitiva, buscou o seu auxílio. Após pagar R$ 800,00 pelo trabalho espiritual e não obter a solução prometida em três dias, a lesada realizou mais seis repasses de valores para Lyra, totalizando R$ 9.800,00. Deste montante, R$ 4 mil foram emprestados por um amigo.
Além do dinheiro, a sensitiva pediu fotos e os nomes completos da vítima e do amado dela. A comunicação era feita por meio do WhatsApp. Para justificar a cobrança além do combinado inicialmente e a demora na reconciliação, a sensitiva criou dificuldades em mensagem no aplicativo: “É urgente caso de morte já disse (sic)”. A acusado recomendou, inclusive, que a contratante dos seus serviços obtivesse mais dinheiro com algum agiota.
Os comprovantes de depósitos feitos pela vítima na conta da sensitiva e prints dos diálogos mantidos entre as mulheres foram juntados no processo pelo advogado da lesada. Segundo ele, “a ré atraiu a autora (da ação), que estava em momento frágil, e utilizou métodos de serviços religiosos para iludi-la e extorqui-la”. Na inicial é pedida a condenação de Lyra para ressarcir a cliente e indenizá-la em R$ 15 mil por dano moral.
Meros dissabores
O magistrado considerou desnecessária a produção de prova oral e realizou o julgamento antecipado da lide. “Os documentos trazidos para os autos demonstram a transferência de valores para a requerida. As mensagens trocadas entre as partes comprovam a exigência de pagamentos para a prestação do serviço de ‘vidência’. Pela análise dos documentos apresentados, nota-se que a requerente foi vítima de um golpe”.
De acordo com o juiz, as provas são aptas para a condenação por dano material, mas elas não demonstraram que a vítima sofreu dano moral. “Por se tratar de um golpe que induziu a requerente ao erro de pensar que seu problema amoroso seria resolvido, é evidente que a requerente deve devolver os valores que recebeu, porque nenhum serviço que justificasse a cobrança foi prestado”.
Após assinalar que a própria vítima contribuiu para o evento ao procurar a vidente na solução de questões amorosas, França negou a indenização por dano moral. “Verifica-se que a requerente sofreu apenas dissabores ao ver que seu problema sentimental não foi resolvido. Ademais, nenhuma prova foi apresentada no sentido de demonstrar que a requerente sofreu danos que poderiam justificar a postulada indenização”.