Vítima e testemunha se tornam suspeitas de roubo e sigilo telefônico é afastado
Por Eduardo Velozo Fuccia
A quebra do sigilo telefônico deve ser autorizada se houver indícios razoáveis de autoria do crime e inexistir outro meio menos invasivo que permita a produção da prova pretendida. Esse entendimento prevaleceu na 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) para dar provimento a recurso de apelação do Ministério Público (MP) e permitir a um delegado acesso aos dados de dois investigados.
“Havendo indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal, somada ao fato de que o pretenso meio de prova é o único eficaz de obtermos êxito na investigação, dada à impossibilidade de prosseguimento das investigações por meios menos gravosos, necessário o deferimento da medida requerida pela autoridade policial”, destacou o desembargador Jaubert Carneiro Jaques, relator da apelação.
Acompanhado em seu voto pelo desembargador Marco Antônio de Melo, o relator justificou a excepcionalidade da medida, porque o artigo 5º, inciso XII, da Constituição da República, define como inviolável o sigilo das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Apesar da proteção constitucional, Jaques ressalvou que a inviolabilidade não se trata de direito absoluto. O relatar assinalou ser possível determinar a quebra do sigilo telefônico em determinadas situações, como na hipótese sob análise, conforme jurisprudência dos tribunais superiores. No caso dos autos, o delegado pediu a medida excepcional em desfavor de dois homens suspeitos de envolvimento no roubo a uma empresa.
Um dos averiguados é vigia da empresa e foi tratado inicialmente como vítima de dois assaltantes que invadiram a firma. O outro foi relacionado à ocorrência como a única testemunha do crime. Porém, em seu pedido à Justiça pela quebra do sigilo telefônico dos suspeitos, a autoridade policial argumentou que eles apresentaram versões contraditórias, fazendo recair sobre si a desconfiança de estarem envolvidos no delito.
O juízo de primeiro grau indeferiu o requerimento do delegado por considerar que a medida solicitada se “aproximaria da prática denominada de fishing expedition, ou pescaria probatória, se assemelhando a uma busca especulativa sem causa provável, alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de finalidade)”. Nessas condições, a quebra do sigilo caracterizaria abuso de autoridade, emendou o juiz.
O MP apelou dessa decisão, sustentando a necessidade da quebra de sigilo. Segundo o recorrente, qualquer outra medida motivaria os investigados a se livrarem de seus celulares para eliminar eventuais provas, se realmente estiverem envolvidos com o roubo. O relator acolheu as razões do apelante: “Os elementos informativos até agora colhidos demonstram a necessidade e utilidade das medidas requeridas”.
Jaques salientou que os próprios investigados se tornaram suspeitos, de acordo com o delegado, ao prestarem informações divergentes sobre os fatos. Além disso, conforme exposto na representação policial, até o presente momento, as investigações não tiveram sucesso em encontrar testemunhas ou vídeos captados por câmeras de segurança para auxiliar no esclarecimento do crime.
Voto vencido
Revisor da apelação, o desembargador Bruno Terra Dias votou pelo improvimento do recurso. Para ele não há elementos concretos indiciários da participação dos investigados, o que desautoriza a concessão da quebra de sigilo. Dias observou que o delegado sequer juntou ao seu requerimento os depoimentos dos suspeitos, o que impossibilita a “verificação da veracidade” das contradições mencionadas.
Segundo o revisor, nessas condições, autorizar o pedido do delegado configuraria verdadeira fishing expedition. “A mera existência de inquérito policial em tramitação interna perante a Polícia Civil não é suficiente para justificar a quebra do sigilo de dados, que deve estar amparada em elementos objetivos e concretos, aptos a demonstrar a necessidade da medida para a investigação ou instrução probatória”.
Foto: 123RF
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