STJ aponta prova ilegal e absolve empresário condenado por tráfico e corrupção
Por Eduardo Velozo Fuccia
O fato de o acusado se amoldar ao perfil descrito em denúncia anônima não constitui fundada razão para a realização de busca pessoal, sem a devida apuração, o que a torna ilegal. A posterior violação de domicílio é também ilegal, porque decorreu de prova contaminada derivada da revista pessoal ilícita.
Essa fundamentação foi adotada pelo ministro Jesuíno Rissato, do Superior Tribunal de Justiça, ao conceder habeas corpus a um empresário para absolvê-lo da condenação a sete anos e dez meses de reclusão, em regime inicial fechado, por tráfico de drogas e corrupção ativa. A pena foi imposta pela 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. No apartamento do réu havia várias drogas e cerca de R$ 100 mil.
O habeas corpus foi impetrado pelos advogados Marcelo José Cruz e Yuri Ramos Cruz. Desembargador convocado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Rissato destacou em sua decisão monocrática que o fato de terem sido encontrados objetos ilícitos “a posteriori” não convalida a abordagem policial.
“Se não havia fundada suspeita de que a pessoa estava na posse de droga ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não há como se admitir que a mera descoberta casual de situação de flagrância, posterior à revista do indivíduo, justifique a medida. Sem a indicação de dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida, deve ser reconhecida a ilegalidade por ilicitude da prova”, concluiu o ministro.
Rissato lembrou que esse entendimento vem sendo aplicado pelo STJ e citou decisão da 6ª Turma, sob a relatoria do ministro Rogério Schietti, ao julgar o Recurso em Habeas Corpus nº 158.580/BA: “não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições e impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial”.
Absolvição em 1º grau
Policiais militares disseram que “investigavam” denúncia anônima de tráfico e abordaram o empresário na frente de seu prédio, em São Paulo, por volta das 22h30 do dia 7 de fevereiro de 2019. Segundo os agentes, o acusado portava uma porção de maconha e R$ 1.300, admitindo possuir mais drogas em seu apartamento.
No imóvel foi apreendida uma multiplicidade de entorpecentes: 214 gramas de maconha, 799 gramas de haxixe, 189 selos de LSD e uma porção de MDMA (metilenodioximetanfetamina), popularmente conhecido por ecstasy, pesando 74,6 gramas. Segundo os PMs, para não ser preso, o empresário lhes ofereceu a quantia de R$ 40 mil.
O juiz Antônio Carlos de Campos Machado Junior, da 19ª Vara do Fórum Criminal da Barra Funda, absolveu o réu por insuficiência de prova. Após analisar as imagens de câmeras de segurança, o julgador notou a ausência de um policial, testemunha do processo, que afirmou ter participado da abordagem ao réu.
As filmagens também mostram que o acusado não foi submetido a revista pessoal. “Sendo assim, não procede a alegação de que o acusado portava entorpecente, ainda que uma porção diminuta, bem como de que teria lhe ofertado a propina de R$ 40 mil. Diante das imagens trazidas, a credibilidade dos relatos dos policiais cai por terra, não se mostrando aptos a embasar uma condenação”, avaliou Machado Júnior.
O magistrado assinalou que a absolvição é a “melhor solução para prevenir eventual injustiça”. Ele determinou na sentença a remessa de cópias dos autos e do pen drive com as imagens das câmeras para a instauração de procedimento junto à Corregedoria da Polícia Militar. O objetivo é apurar a “prática de ilícito” pelos três PMs que depuseram na ação.
Apelação do MP e HC
O Ministério Público recorreu da sentença e a 13ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP deu provimento à apelação, condenando o recorrido por unanimidade e determinando o perdimento do dinheiro apreendido em favor da União. Sob a relatoria do desembargador Augusto de Siqueira, o colegiado desprezou as filmagens, reconhecendo que o réu foi revistado, portava maconha e tentou corromper os agentes públicos.
Conforme o acórdão, a PM tem o poder de investigação e policiais militares do Serviço Reservado da corporação “detinham notícia” de que o réu traficava drogas, autorizadora da revista. “Portanto, os elementos colhidos naquele momento ratificavam denúncia anônima em que apontado o acusado como possível traficante”.
A 13ª Câmara Criminal considerou que elementos “racionais e objetivos”, e não “simples deduções subjetivas”, motivaram o ingresso dos PMs no apartamento do réu. “Explícita, assim, a licitude das provas, oriundas, frise-se, de diligência policial bem sucedida, em observância à legislação pátria pertinente. Vale lembrar, ademais, que o crime permanente prescinde de expedição de mandado de busca e apreensão”.
Os advogados Marcelo Cruz e Yuri Cruz sustentaram no habeas corpus ao STJ que “o ingresso forçado na casa onde residia o paciente não possui fundadas razões, pois está apoiado em suposta informação de inteligência policial (suposta notícia anônima) como único elemento prévio à violação do domicílio”.
Por essa razão, a defesa pediu o reconhecimento da nulidade das provas e a absolvição do empresário. “É nítida a ilicitude das provas obtidas desde a sua origem, não só pela ilegal investigação realizada pela Polícia Militar, bem como pela invasão realizada no domicílio do paciente sem justificativa autorizada por lei”.
Foto principal: Fachada do STJ (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
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