TJ-SP reforma sentença e isenta emissora de indenizar apóstolo por dano moral
Por Eduardo Velozo Fuccia
O direito fundamental à expressão do pensamento e a missão da comunicação social exercida pelos órgãos de imprensa impõem que se proteja a crítica comedida, ainda que seja dura, ácida ou bastante severa. Com essa ponderação, a 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reformou sentença que havia condenado emissora de televisão a indenizar líder religioso por dano moral, porque o censurou pela venda de “feijões milagrosos” para a cura da Covid-19.
“A manifestação de opinião negativa acerca do autor não foi praticada com linguagem ofensiva ou excessiva para que fosse justificada a responsabilização civil”, anotou a desembargadora Angela Moreno Pacheco de Rezende Lopes, relatora do recurso de apelação interposto pela Jovem Pan News. Esse entendimento reformou sentença da juíza Adriana Cardoso dos Reis, da 37ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo, que havia condenado a emissora a indenizar em R$ 20 mil o apóstolo Valdemiro Santiago.
Conforme a relatora, os participantes do programa (Morning Show) da ré não utilizaram nenhuma adjetivação ou termo que remetesse à prática de crime, restringindo suas considerações ao plano moral e ao juízo pessoal. “O autor é líder religioso de renome e apresentador de programa televisivo, a implicar que é personalidade pública e, por isso, está sujeito a críticas mais intensas dos órgãos de comunicação social e das pessoas em geral”, acrescentou Angela Lopes.
Com a modificação do julgado, o fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus foi condenado a pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado da causa. O apóstolo Valdemiro Santiago havia pedido indenização de R$ 50 mil, mas o juízo de primeiro grau a fixou em R$ 20 mil, “de forma a proporcionar um consolo para quem recebe e um castigo para quem paga, sem, contudo, ser insignificante nem acarretar enriquecimento sem causa”.
Esferas independentes
A crítica ao apóstolo ocorreu no programa do dia 15 de fevereiro de 2023. Sobre a pregação que ele fez em um culto, na qual ofereceu os “feijões milagrosos” para curar a Covid-19, um jornalista apresentador do Morning Show e uma convidada, também jornalista, comentaram: “Isso aí é abusar muito da inocência das pessoas, da fé. É o comércio da fé”. Santiago sugeriu aos fiéis adotarem o “propósito” de plantar sementes de feijões a R$ 1 mil cada, com alternativas de valores menores, não inferiores a R$ 100.
A juíza Adriana dos Reis destacou na sentença que, embora a Constituição Federal garanta o direito à liberdade de expressão e à livre manifestação do pensamento, a mesma Carta Magna classifica como invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. “Houve, portanto, ato ilícito, que enseja indenização por dano moral nos termos do artigo 5º, inciso X, da CF”, concluiu.
Conforme a decisão de primeira instância, o comentário feito no programa foi ofensivo à imagem e à honra do autor, porque o vinculou à prática de crime estelionato. A magistrada observou que, naquela época, o inquérito policial instaurado para investigar suposto golpe do apóstolo já tinha sido arquivado por falta de provas. Porém, ao apreciar o recurso de apelação, a relatora esclareceu que o arquivamento não implica a inexistência do fato, além do que as esferas penal e civil são independentes.
Segundo Angela Lopes, o Ministério Público não constatou a inocorrência do episódio relativo à pregação do autor, mas alegou falta de justa causa para a ação penal devido à inexistência de vítimas e por não haver indícios suficientes de que o investigado teve “intenção em ardilosamente convencer seguidores”. Porém, a relatora considerou comprovado que o apóstolo noticiou a cura de pessoas em “estado terminal” da Covid-19 e convocou seus fiéis a “semear na terra fértil” mediante “propósitos” pecuniários.
“A partir desse conjunto de fatos verdadeiros, a avaliação sobre a probidade de tal conduta ou sobre o caráter abusivo ou escandaloso do episódio pertence à opinião dos jornalistas do programa Morning Show, inexistindo prática de ilícito civil na veiculação de sua perspectiva sobre o ocorrido. Portanto, ausente ato ilícito, não há fundamento para a responsabilização civil do réu”, finalizou a relatora. O seu voto foi seguido pelos desembargadores Jair de Souza e Elcio Trujillo.
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