Justiça Militar reconhece legítima defesa e inocenta 8 PMs por duas mortes em favela
Por Eduardo Velozo Fuccia
A discussão sobre a competência da Justiça Militar para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, como é o caso do homicídio, veio à tona com recente decisão que inocentou um tenente, um cabo e seis soldados pelas mortes de dois rapazes, ocorridas em 16 de junho de 2016, em Santos, durante operação do 2º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep).
Com drogas e armas de grosso calibre, a dupla trocou tiros com os policiais militares.
O Tribunal de Justiça Militar de São Paulo (TJMSP) reconheceu que os policiais agiram em legítima defesa e manteve o arquivamento do inquérito policial militar (IPM) determinado pelo juiz Ronaldo João Roth, da 1ª Auditoria Militar.
Em seu Artigo 125, parágrafo 4º, a Constituição Federal atribui ao tribunal do júri (Justiça Comum) o julgamento de tais delitos. No entanto, durante sustentação oral no TJMSP, o advogado Alex Sandro Ochsendorf argumentou inexistir conflito de competências entre as justiças Comum e Militar. “A Constituição afirma que compete à Justiça Comum processar e julgar os crimes dolosos contra a vida. Mas a investigação desses delitos está reservada à Justiça Militar, por meio de IPM, quando os policiais agiram no exercício da função”.
Conforme a argumentação de Ochsendorf, apenas após a conclusão do IPM, se houver elementos suficientes para o oferecimento de eventual denúncia, ele é remetido à Justiça Comum, na qual os acusados serão processados e julgados. “As normas constitucionais e federais falam claramente que a Justiça Comum irá processar e julgar, ou seja, elas se referem à fase processual. A parte investigativa é de competência da PM, quando a morte de civil em ação policial militar tem as características e os requisitos de crime militar, como foi o caso dos integrantes do Baep de Santos”.
O advogado concluiu a sua sustentação afirmando que “o juízo de admissibilidade, de acordo com a leitura da lei, deve ser feito pelo juiz militar para verificar se há ou não a existência de alguma circunstância que exclua o crime. Havendo a existência de alguma excludente legal ou supralegal, o juiz militar poderá arquivar, vez que o crime deixa de existir. Somente irá para a Justiça Comum quando, no juízo de admissibilidade, estiver configurada a existência do crime”.
No episódio envolvendo os policiais do Baep, depois do encerramento do IPM, o Ministério Público Militar (MPM) não se manifestou sobre a ocorrência de alguma excludente de ilicitude, como a legítima defesa. Porém, diante dessa omissão, o juiz Roth reconheceu que os investigados apenas revidaram os tiros para se defender e arquivou o inquérito.
O MPM recorreu. Ele sustentou que Roth não poderia arquivar o IPM sem a manifestação do promotor de justiça designado para atuar perante a vara do júri. Por maioria de votos, o TJMSP manteve a decisão do magistrado da 1ª Auditoria Militar. Inconformado, o MPM ainda ofereceu embargos infringentes para que a matéria fosse reapreciada, desta vez pelo Pleno do TJMSP. Novamente, por maioria de votos, foi ratificada a decisão de Roth que reconheceu a legítima defesa e determinou o arquivamento do IPM.
Os oito policiais do Baep realizaram incursão no Morro do Tetéu para reprimir o comércio de drogas e também checar informações sobre criminosos armados no local. Segundo eles, em um beco do Caminho das Pedras, se depararam com cinco marginais, que abriram fogo ao vê-los. Os PMs se abrigaram e revidaram os disparos.
Três marginais conseguiram fugir pela mata, enquanto Caio Vinicius da Silva Quintas, de 20 anos, e Éverton Felipe Marques Lopes, de 18, foram atingidos e morreram na favela. Os policiais escaparam ilesos. De acordo com os PMs, Caio portava um fuzil russo AK-47 e uma pistola austríaca Glock 9 milímetros. Éverton estava com uma pistola Taurus .40 e uma mochila contendo 1.025 cápsulas de cocaína, 455 pedras de crack, 397 porções de maconha e cerca de três quilos de um produto químico para ser misturado às drogas.