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14/03/2022

TJ-SP reforma decisão que mandava retirar estátuas de Nossa Senhora Aparecida

Por Eduardo Velozo Fuccia

A intervenção do Poder Público municipal para o fomento do turismo em estância religiosa, como a instalação de esculturas em rotatórias de trânsito, não ofende a laicidade do Estado. Do mesmo modo, não se revestem de ilegalidade investimentos da municipalidade apenas pelo fato de incentivar esta vocação turística, principal atividade econômica da cidade e da sua população.

Com esta fundamentação, a 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) deu provimento aos recursos de apelação interpostos pelo Município de Aparecida, onde o fica o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, e outras pessoas, entre as quais um ex-prefeito da cidade. No último dia 9, o colegiado reformou sentença da juíza Luciene Belan Ferreira Allemand, da 1ª Vara da comarca.

Prolatada em 14 de outubro de 2019, a decisão da magistrada julgou parcialmente procedente ação civil pública movida pela Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) para determinar “a proibição definitiva da construção destas obras referentes aos ‘300 anos de bênçãos’, ou qualquer outro projeto análogo, e que estejam em terreno público e/ou financiadas com recursos públicos”.

Luciene Allemand ainda determinou a remoção dos monumentos de caráter religioso espalhados pelo município, “em homenagem aos 300 anos de bênçãos”, e condenou Ernaldo César Marcondes, prefeito da época da implantação das esculturas nas rotatórias, a ressarcir os valores eventualmente utilizados nas obras e que sejam oriundos do erário.

A sentença decretou a nulidade da doação ou de qualquer outra modalidade de cessão de direitos reais sobre terreno público utilizado para a construção do espaço/monumento religioso objeto da ação, denominado ‘Parque dos 300 anos de bênçãos’. Por fim, a juíza determinou que fosse comunicado o Ministério Público para apurar eventual improbidade administrativa.

Não à intolerância

“Não se confundem laicidade com laicismo, situações evidentemente opostas. Igualmente, não é possível a defesa de direitos fundada no banimento dos credos, ainda que por agnósticos e ateus, pois no ordenamento jurídico brasileiro não há previsão a tanto”, destacou o desembargador Ponte Neto, relator das apelações. O seu voto foi seguido pelos desembargadores Décio Notarangeli e Oswaldo Luiz Palu.

Segundo a decisão unânime do colegiado, a laicidade do Estado é aquela em que as suas instituições não podem beneficiar determinada ordem religiosa. No entanto, o laicismo estatal não exige a manutenção de uma postura de intolerância religiosa às manifestações culturais dos seus cidadãos. Além disso, a Constituição Federal (artigo 19, I), autoriza, “na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

O acórdão mencionou o posicionamento do ministro Dias Toffoli por ocasião do julgamento da Ação de Direita de Inconstitucionalidade (ADI) 4439-DF, em que se discutiu o ensino religioso nas escolas públicas do País. Conforme o membro do Supremo Tribunal Federal (STF), o princípio da dignidade da pessoa humana não se dá pela exclusão dos protegidos, mas pela inclusão dos excluídos.

A reanálise dos documentos juntados pelos apelantes aos autos possibilitou à 9ª Câmara de Direito Público concluir que não houve uso indevido de dinheiro público do município. As verbas empregadas para a construção de esculturas em cinco rotatórias foram provenientes de convênio celebrado em 2016 entre a cidade e o Departamento de Apoio ao Desenvolvimento das Estâncias (Dade), da Secretaria Estadual de Turismo.

Confeccionados por Gilmar Gomes Pinna, conhecido no Brasil e em diversos países por suas esculturas em metal, os monumentos representam os principais milagres atribuídos à Nossa Senhora Aparecida, ocorridos no início do resgate da sua imagem nas águas do Rio Paraíba do Sul. O artista plástico foi contratado mediante licitação na modalidade tomada de preços e requereu a sua habilitação no processo, o que foi deferido.

O município prestou contas dos valores gastos e devolveu ao Dade a parte da verba que não foi utilizada, conforme determinava o convênio. As intervenções tiveram finalidade específica voltada ao turismo e foram realizadas com o objetivo de comemorar o tricentenário da aparição da imagem da santa. O artista ainda doou uma estátua gigante de Nossa Senhora Aparecida para ser colocada em parque turístico a ser construído.

A área deste parque foi oriunda de decreto municipal declarando de utilidade pública, para fins de desapropriação, 12 lotes do Parque Residencial Itaguaçu. A municipalidade justificou o seu interesse público não apenas nos âmbitos cultural e turístico, como também nos campos ambiental e urbanístico, devido à necessidade de se adotar medidas preventivas para evitar acidentes decorrentes da erosão causada pelas chuvas.

“Não há nos autos comprovação de doação de áreas públicas como apontou a entidade autora, mas destinação de terrenos a finalidade condizente com sua estrutura, direcionada especificamente ao interesse público, não se verificando, como acusou a autora, o beneficiamento ilícito a particulares ou desvios caracterizadores de má gestão do administrador público”, concluiu o relator.

Os recursos tiveram parecer favorável da Procuradoria-geral de Justiça (PGJ). Conforme parecer do órgão, ao incentivar o turismo religioso, a municipalidade cumpriu a sua obrigação de promover o fomento econômico da cidade, atividade administrativa típica e prevista no artigo 174 da Constituição Federal. A PGJ ainda conjecturou que o município entraria em “colapso financeiro”, caso o santuário fosse transferido de lá.

O acórdão também citou dados oficiais do IBGE e do Governo de São Paulo acerca dos milhões de turistas que visitam anualmente a cidade. Os números, conforme o colegiado, demonstram como inequívoca a sua vocação para o turismo religioso, carro-chefe da economia local. “Portanto, caracterizado está o interesse público local nas ações do município de Aparecida no fomento ao turismo religioso da região”.

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