A delinquência nas subculturas modernas sob a análise de dois policiais civis
Por Leonardo Amorim Nunes Rivau e Leopoldo Grecco Lisboa (*)
José Ingenieros, o maior criminólogo argentino, já professava que “sem ideais, seria inexplicável a evolução humana”. A sociedade pauta o seu progresso com base em conquistas sociais, que obedecem aos anseios correspondentes a uma necessidade momentânea, que ora conspurcam com o ofertado pelos poderes estatais, ou com ele convergem em harmonia, permitindo uma pacificação social temporária.
Nessa busca inconstante, aos poucos, lenta e timidamente, o homem evolui (ou não), procurando humanizar cada vez mais as relações entre os indivíduos, em uma sucessão de direitos, que vedado o retrocesso idealizado, busca uma dignidade ainda muito exortada, mas de fato pouco efetiva.
A luta social não é ausente dos olhos do criminólogo, que se vale das influências sociais, para explicar o fenômeno criminal, embasando muitas vezes as teorias macrossociológicas, nos quais se fundam o estudo da criminologia, na busca pela redução dos índices de criminalidades a níveis toleráveis dentro de uma sociedade.
Justamente nessa busca da compatibilização entre direitos consagrados e níveis toleráveis de condutas desviadas é que parece que hoje surgem novas espécies de subculturas delinquentes, que destoam daquelas em que Albert Cohen centralizou seus estudos na década de 50.
Como dito outrora, de tempos em tempos a criminalidade avança modificando o panorama em que projeta seus efeitos sobre a sociedade. A sociedade já não mais vivencia fatores individuais de criminalidade, sente agora o temor concreto das massas, o crime já não mais escolhe suas vítimas levando em conta elementos propícios à sua ocorrência, como isolamento local, áreas de maior criminalidade, fatores telúricos.
Um simples conceito coletivo de certo e errado conduz toda uma sociedade, no entanto, como em todo grupo de pessoas, afinidades se formam entre poucos, quer pela proximidade, quer pela situação na qual se encontram, e, com isso, nichos menores assumem pensamentos próprios, com novos, por não dizer diversos, entendimentos sobre o correto e o errôneo.
A literatura mundial sempre deu ênfase a comportamentos delinquentes resultante de grupos que procuravam juntar-se sob uma mesma ideologia de vida, empregando esforços em atividades delitivas ou comportamentos desviantes.
Porém, foi com o famoso filme O Selvagem (1953), estrelado por Marlon Brandon na década de 50, que parece ter tal comportamento ganho contorno mundial, chamando a atenção para um estudo mais abalizado acerca do tema.
Sumariva (2013, p.37) aduz que “a conduta delitiva para esta teoria difere do que era sustentado pelas teses ecológicas, ou seja, não seria produto da desorganização ou da ausência de valores, mas sim reflexo e expressão de outros sistemas de normas e valores distintos: os subculturais”.
Cohen centrou sua obra na análise da delinquência juvenil nas classes baixas, concluindo que as delinquency areas ou zonas onde se concentra a criminalidade não são âmbitos “desorganizados”, carentes de normas e controles sociais, senão zonas ou terrenos nos quais vigoram normas distintas das oficiais, é dizer, outros valores “em bom estado de funcionamento”.
Nesse prisma, como base em um populismo penal, ganham vozes latentes, o ímpeto dos que evocam um direito penal máximo, tal qual o Movimento de Lei e Ordem, principalmente através do programa Tolerância Zero, desenvolvido pelo prefeito nova-iorquino, Rudolph Giuliani no início da década de 90, bem como do Direito Penal do Inimigo, desenvolvida pelo professor de Bonn, Günther Jakobs.
A base fulcral do pensamento de Jakobs se encontra na distinção entre o Direito Penal do Cidadão e o Direito Penal do Inimigo, ou seja, procura trazer à tona a diferenciação entre cidadãos (pessoas que oferecem garantia de um comportamento pautado dentro das expectativas sociais) e inimigos. Sobre a segunda categoria, afirma o professor alemão: “quem não presta uma segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não só não pode esperar ser tratado como pessoa, mas o Estado não deve tratá-lo como pessoa, já que do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas”.
Desta forma, trata-se de direito de exceção, centrado basicamente em um direito penal do autor, excluindo certos delinquentes do regime jurídico penal comum, em razão da periculosidade ofertada por este não só à sociedade como um todo, mas à própria subsistência do Estado.
Nesse prisma parece desencadear-se as políticas criminais que atualmente estão norteando o combate em face dessa nova realidade. O direito penal comum não funciona com uma eficácia esperada, não podendo ser aplicado em razão do caráter violento com que esses grupos vêm transparecendo, bem como o meio pelo qual protestam, causando insegurança à sociedade e às instituições oficiais do Estado, exigindo medidas mais enérgicas.
A democracia implementada pela Constituição Federal de 1988 forçou o Brasil a conhecer uma nova forma de governar e, ao povo brasileiro, uma maneira diferente de conviver. São quase três décadas de liberdade política, de isonomia entre homens e mulheres, de respeito aos direitos humanos e fundamentais, de direitos trabalhistas, ou seja, em termos cronológicos, equivalem a poucos segundos de evolução.
O brasileiro ainda não aprendeu a utilizar todas as ferramentas, todas as alavancas, todos os instrumentos, todas as oportunidades que um Estado Democrático de Direito oferece. Bem como muito longe se encontra o senso de dever e responsabilidade que tais liberdades exigem de cada membro dessa comunidade.
No entanto, diversas medidas políticas vêm sendo tomadas com o fim de desestimular comportamentos desviados dessa ordem, não sendo mediante edições de mais leis a resposta mais acertada à repressão de tais condutas, que inflacionam a legislação em vigor, trazendo choque de dispositivo legais, necessitando sim, medidas estratégicas para conter os ânimos que esses eventos causam àqueles que aderem aos seus preceitos.
(*) Rivau e Grecco Lisboa são, respectivamente, delegado e investigador da Polícia Civil de São Paulo
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