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11/09/2018

Guardas condenados por tortura devem cumprir pena em regime aberto, decide STJ

Defensor dos cinco réus, advogado Armando de Mattos Júnior interpôs agravo em recurso especial

Por Eduardo Velozo Fuccia

É inconstitucional a imposição do cumprimento de pena em regime inicial fechado para os crimes hediondos e os delitos a eles equiparados, prevista no parágrafo 1º, do Artigo 2º, da Lei 8.072/1990. Com esse entendimento, três guardas municipais e dois guardiões cidadãos de Santos, condenados por torturarem uma jovem moradora de rua, não correm mais o risco de serem recolhidos ao cárcere.

O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), deu provimento a agravo em recurso especial interposto pelo advogado Armando de Mattos Júnior, defensor dos réus, para que o regime inicial fechado, fixado na sentença da 6ª Vara Criminal de Santos e mantido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), fosse abrandado diretamente para o aberto.

Os guardas municipais Gelson Rabelo dos Reis, Felipe Fernando dos Santos e Renata Santana Oliveira, além dos guardiões cidadãos Gianlucca Morais Nascimento e Guilherme Guttemberg Moreira, foram condenados a dois anos, quatro meses e 24 dias de reclusão. De acordo com o ministro, a fixação da pena em regime inicial fechado, com base na Lei 8.072, violou o Artigo 33, parágrafo 2º, letra “b”, do Código Penal (CP).

Esta regra do Código Penal estabelece que “o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a quatro anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto”. Ainda conforme o ministro, além de o Código Penal preponderar sobre o tratamento mais rigoroso da Lei 8.072, súmulas do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF) reforçam a aplicação da regra prevista no Artigo 33 do CP.

Em sua decisão, Reynaldo da Fonseca citou as súmulas 440/STJ (“fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito”) e 719/STF (“a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea”).

“Assim, não tendo o magistrado de origem nem o tribunal local justificado a fixação do regime em elementos outros, mas apenas na previsão legal (da Lei 8.072), necessário o exame do Artigo 33 do Código Penal”, decidiu o integrante da Quinta Turma do STJ. Por meio do recurso especial, a defesa dos acusados também pretendia a absolvição, mas a condenação do grupo foi ratificada. Os réus sempre negaram a tortura.

Cabelos cortados

Natural de Poços de Caldas (MG), usuária de crack e perambulando havia cerca de dois anos e meio pelas ruas de Santos, a vítima foi abordada pelos réus na madrugada de 4 de junho de 2011. Ela dormia com outros quatro moradores de rua em uma pizzaria desativada, na Ponta da Praia. Com 19 anos na época, a jovem disse que o grupo de moradores de rua foi obrigado a entrar em uma Kombi da Guarda Municipal.

Com exceção da jovem mineira, os demais abordados foram sendo liberados durante o trajeto. Enquanto teve a liberdade cerceada na viatura, ela contou que os réus a xingaram, cortaram os seus cabelos com canivete, a agrediram com golpes de cassetete na sola dos pés, desferiram tapas em seu rosto e jogaram em seus olhos um líquido que os fez arder.

A liberação ocorreu em um matagal às margens do Km 53,5 da Via Anchieta, em Cubatão, próximo à Serra do Mar, sendo o caso comunicado à Polícia Civil. O delegado Fábio Pierry instaurou inquérito e identificou os acusados, que foram reconhecidos fotográfica e pessoalmente pela moradora de rua. Com base na investigação policial, o Ministério Público denunciou os guardas e os guardiões.

Conforme a denúncia, exame de corpo de delito – que constatou edema traumático em ambas as plantas dos pés da jovem – e fotografias – que mostram os cabelos dela cortados irregularmente – são provas materiais da tortura, agravada pelo fato de os acusados serem agentes públicos e cometerem o crime mediante sequestro. Em março de 2013, os réus foram condenados, motivando a defesa a recorrer ao TJ-SP e ao STJ.

Ao grupo também foram impostas a perda do cargo ou da função públicos e a interdição para o seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. Previstas na Lei 9.455/1997, que define o crime de tortura, essas sanções são efeitos automáticos da condenação. O episódio repercutiu em setores da sociedade civil e órgãos como a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que o repudiaram.

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