Homem chama candomblé de “religião do demônio” e é condenado por racismo
Por Eduardo Velozo Fuccia
O racismo se diferencia da injúria racial porque o primeiro atinge um indeterminado número de pessoas, enquanto a segunda se dirige à honra subjetiva de alguém específico, a quem cabe avaliar se a ofensa teve potencial de lesar o seu decoro ou a sua dignidade, configurando o delito.
A partir dessa distinção, a 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou provimento ao recurso de apelação de um homem. Condenado pelo crime de racismo, ele entrou em um terreiro de candomblé e disse: “religião do demônio, eu sou da congregação e vocês são o satanás, vou acabar com todos vocês aí”.
“No caso em pauta, ficou caracterizado o dolo específico em ofender toda coletividade que frequentava a religião de matriz afro-brasileira”, anotou o desembargador Sérgio Mazina Martins, relator da apelação. Ele votou pela manutenção, na íntegra, da sentença do juiz Bruno Nascimento Troccoli, da 2ª Vara de Mongaguá.
O réu foi processado pelo crime do artigo 20, caput, da Lei 7.716/1989, sendo-lhe imposta a pena de um ano, três meses e 22 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, além do pagamento de 12 dias-multa. O recorrente também foi condenado a indenizar em R$ 1.500,00, por dano moral, a responsável pelo terreiro.
O artigo 20 pune com reclusão, de um a três anos, a conduta de “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. O relator considerou adequados o tempo de pena, o regime inicial para o seu cumprimento, a imposição da indenização e o seu valor.
“É certo que as circunstâncias judiciais são concretamente desfavoráveis, além da reincidência do acusado, ficando mantido o regime inicial semiaberto”, justificou o relator. Ele considerou acertada aplicação da indenização por danos morais, porque o apelante também chamou a vítima de “satanás”, entre outros xingamentos.
Conforme Mazina Martins, o réu ultrapassou os “limites aceitáveis de uma mera desavença entre vizinhos”, sendo o valor da indenização adequado aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade. O terreiro fica ao lado da casa da ex-mulher do acusado. Os desembargadores Nogueira Nascimento e Vico Mañas seguiram o relator.
O acórdão destacou a robustez probatória para incriminar o réu pelo crime de racismo, “eis que a ofensa foi, sim, tristemente dirigida à religião de matriz afro-brasileira”. O colegiado enfatizou que, embora tenha xingado a dona do terreiro, o apelante “menosprezou globalmente” os praticantes do candomblé com outras ofensas.
Segundo a responsável pela casa religiosa, em outras ocasiões, o acusado a agrediu verbalmente com teor preconceituoso. Porém, o episódio ocorrido em 29 de setembro de 2019, que originou a ação penal por racismo, foi o mais grave, porque o réu invadiu o recinto e atacou o candomblé e os seus fiéis. Duas testemunhas ratificaram essa versão.
“Embora a punição estatal não seja o único caminho para igualdade racial, é certo que o combate ao racismo estrutural que ainda perdura no Brasil deve ser efetivo, além do seu caráter educativo, em conjunto com a promoção de ações afirmativas buscando extirpar esse mal que ainda impera em nosso ambiente”, frisou a 12ª Câmara de Direito Criminal.
Os julgadores da apelação acrescentaram que esse tema exige “intervenção penal de grande reclamo constitucional, voltada, aliás, a bem jurídico de séria importância para a construção de uma consciência de nação. (…) Diante de uma conduta dessa ordem, evidentemente não pode e não deve silenciar-se o direito penal”.
Respeito é a base
Responsável pelo terreiro Asé Egbé Oya Balé, Margarete Martins Maciel Tavares (na foto), de 49 anos, lamentou o ocorrido, mas elogiou a sentença do juiz de Mongaguá e o acórdão do TJ-SP na luta contra o racismo. “É necessário tempos mais humanos, mais justos, mais solidários. Cada um escreve a sua história. Respeito é a base de tudo”.
A defesa do pedreiro Adriano Cássio Bordin, de 43 anos, alegou que ele é inocente e requereu a sua absolvição. Ela sustentou no recurso que houve “xingamentos recíprocos” entre o acusado e a vítima, não ficando comprovado o dolo necessário para a caracterização do crime de racismo.
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