Juíza condena aposentada por litigância de má-fé e aponta “advocacia predatória”
Por Eduardo Velozo Fuccia
Ao se declarar incompetente para apreciar uma demanda movida por uma aposentada contra um banco, uma magistrada baiana condenou a autora por litigância de má-fé. A decisão foi tomada após a julgadora constatar a existência de 45 processos em sua vara patrocinados pelo mesmo advogado, todos com idêntico modelo de petição, o que caracteriza “advocacia predatória”, conforme ela concluiu.
Titular da 2ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis, Comerciais e Acidente de Trabalho de Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador, a juíza Maria de Lourdes Melo explicou em sua decisão que descobriu as 45 ações mediante “simples consulta” no PJe (processo judicial eletrônico).
A suposta “advocacia predatória”, de acordo com a magistrada, está materializada em “petições padronizadas, artificiais, com teses genéricas, em nome de pessoas vulneráveis, com intuito de enriquecimento ilícito, requerendo a anulação de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável cumulado com restituição de valores e reparação por danos morais”.
Predileção em xeque
O advogado da aposentada deu à causa o valor de R$ 22.961,80. A quantia corresponde à devolução em dobro de todos os valores descontados do benefício previdenciário da autora, que perfazem R$ 12.961,80. Ele também pediu a condenação do banco ao pagamento de indenização de R$ 10 mil, a título de danos morais, salientando ser esse o “entendimento já pacificado” pelo Tribunal de Justiça da Bahia.
Embora reconheça ser o ajuizamento da ação faculdade da autora, a juíza salientou que, no caso concreto, devem prevalecer os princípios norteadores dos juizados especiais cíveis, como efetividade, oralidade, simplicidade, economia processual e celeridade. A complexidade da matéria e o valor da causa também foram mencionados pela julgadora.
De acordo com a magistrada, a causa não é complexa e o valor que lhe foi dado está dentro da alçada dos juizados especiais, “desconhecendo-se a predileção por uma das (únicas) duas varas cíveis existentes nesta comarca, abarrotadas de processos, muitos dos quais de grande complexidade e urgência”.
O artigo 3º, inciso I, da Lei 9.099/1995, estabelece que “o Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: I – as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo”. Por esse parâmetro, o teto atual para as causas no JEC é de R$ 48.480,00.
Com fundamento nessa regra, Maria de Lourdes Melo se declarou incompetente e foi além. Advertiu que “este juízo está atento aos protocolos (distribuição atípica) de ações similares, para identificar e coibir abusos (advocacia predatória !!!)”. Ela determinou que a Corregedoria Geral de Justiça seja comunicada sobre a sua decisão para que, se considerar cabível, informe a Ordem dos Advogados do Brasil.
A juíza ainda condenou a autora ao pagamento de multa de 10% sobre o valor da causa por litigância de má-fé, porque a aposentada teria usado do processo para conseguir objetivo ilegal, nos termos do artigo 80, inciso III, do Código de Processo Civil. “Tal conduta fere de morte o princípio da cooperação/lealdade/boa-fé entre as partes, e, em especial atenta contra à dignidade da Justiça”, justificou a magistrada.
O advogado da aposentada expôs em sua petição inicial que a cliente contraiu empréstimo consignado de R$ 2.880,00, em 17 de janeiro de 2017. Porém, ela soube apenas depois que a operação era do tipo RMC (reserva de margem consignável), vinculada a cartão de crédito.
“A parte autora pensou ter celebrado um contrato de empréstimo consignado como outro qualquer. Jamais imaginaria ter contraído uma dívida no cartão de crédito verdadeiramente interminável. Isso porque não há limitação no número de parcelas, sequer a definição estrita da taxa de juros aplicadas ou do valor global da contratação”, detalhou o advogado.
Por ocasião do ajuizamento da ação, conforme a inicial, 57 parcelas do empréstimo já haviam sido descontadas da aposentaria da autora, que totalizaram R$ 6.480,90. De acordo com o advogado, esse montante corresponde apenas ao pagamento de juros.
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