Máfia dos pátios de trânsito fica impune por insuficiência de provas
Por Eduardo Velozo Fuccia
Sobre os mesmos fatos, idênticas provas podem dar rumos diferentes a processos que tramitam em esferas distintas. Por exemplo, ação penal que apurava uma máfia que praticou furtos reiterados de peças, acessórios e objetos de veículos apreendidos em dois pátios de trânsito de Santos, entre os anos de 2008 e 2011, não teve condenados.
A Justiça absolveu, por insuficiência de provas, os sete réus do processo que apurava a série de crimes. Um oitavo acusado sequer chegou a ser sentenciado, porque já havia conseguido trancar a ação penal em relação a si por meio de habeas corpus.
“As várias subtrações ocorreram mesmo. Isso é incontestável. Se esta fosse uma ação civil, a indenização seria certa”, sentenciou o juiz José Romano Lucarini, da 1ª Vara Criminal de Santos. Porém, como o processo julgado era criminal, o magistrado considerou as provas em relação à autoria “vazias e inconcludentes” para fundamentar uma condenação.
O advogado William Cláudio Oliveira dos Santos defendeu três dos oito acusados e, sob o aspecto jurídico, elogiou a sentença. “A decisão foi justa, porque diante de dúvidas e da ausência de provas de autoria, o magistrado aplicou o princípio do in dubio pro reo (na dúvida, absolve-se)”.
Os pátios estão localizados na Avenida Francisco Ferreira Canto, 351, na Caneleira, e no km 247 da Rodovia Cônego Domênico Rangoni, no Monte Cabrão. À época dos furtos, eles eram gerenciados pela empresa Marthas Serviços Gerais, que celebrou contrato para essa finalidade com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de Santos, presidida na ocasião por Rogério Crantschaninov.
Ouvido em juízo como testemunha, o ex-presidente da CET declarou que partiu da companhia santista a iniciativa de comunicar o esquema criminoso à Polícia Civil, tão logo tomou conhecimento. Outra providência foi a de realizar uma investigação interna, mediante o confronto daquilo que estava registrado no sistema da Marthas e o que havia nos pátios. O inventário constatou, inclusive, a falta de veículos.
Crantschaninov disse que a Marthas foi notificada para justificar esta diferença, mas não prestou qualquer esclarecimento. Por isso, a CET rompeu o contrato com a terceirizada e assumiu a guarda dos veículos. Entre os oito réus denunciados pelo Ministério Público (MP) por peculato e associação criminosa, cujas penas somadas variam de três a 15 anos de reclusão, está o empresário José Caboclo Neto, dono da Marthas.
Segundo o MP, o empresário se “omitiu” em seus deveres contratuais e legais de zelo e controle dos veículos recolhidos nos pátios, permitindo, em proveito próprio e alheio, de forma continuada, o desvio de bens móveis particulares (carros, motos, peças e acessórios), dos quais tinha a posse em razão do exercício de função pública. Funcionários da Marthas, outros quatro réus teriam participado diretamente do desvio.
Os três acusados restantes não tinham vínculo com a terceirizada, mas também foram processados por peculato, porque “concorreram” (participaram), de qualquer forma, para a sua prática, ainda conforme a denúncia. Por fim, o MP narrou que os oito réus também “se associaram em quadrilha” com a finalidade de cometer os crimes, incorrendo desse modo no delito autônomo de associação criminosa.
Romano vislumbrou indícios das participações não só dos réus, mas de “autoridades e agentes públicos, especificamente, da CET”, nos desvios ocorridos nos pátios de trânsito, mas ressaltou que eles ficaram no “campo das conjecturas”, ou seja, insuficientes para embasar um decreto condenatório.
O juiz salientou que a sentença “não representa uma declaração de inocência absoluta de quem quer que seja”. Segundo ele, ao contrário das dúvidas que pairaram quanto à autoria, restou a certeza da “necessidade de maior investigação sobre o caso, inclusive em outras linhas, diferentes das que se encontram neste processo”.
Dez vítimas depuseram na ação e os seus relatos coincidem. Elas tiveram veículos recolhidos aos pátios da Caneleira ou do Monte Cabrão e se depararam com eles “depenados” no momento de retirá-los.
Em um dos casos mais extremos, o dono de um ônibus contou que o coletivo foi completamente desmontado, sobrando apenas o chassi. Na sentença não consta a notícia de um lesado sequer que tenha sido ressarcido pela CET ou pela empresa contratada para gerenciar os pátios.