Ministro Fachin manda ANPP retroagir em processo com trânsito em julgado
Por Eduardo Velozo Fuccia
A natureza híbrida do acordo de não persecução criminal (ANPP) – já reconhecida pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) – embasou decisão monocrática do ministro Edson Fachin, em habeas corpus, que determinou a aplicação retroativa do artigo 28-A do Código de Processo Penal em um processo com trânsito em julgado.
De acordo com o julgador, o recebimento da denúncia ou mesmo a prolação da sentença não esvaziam a finalidade do ANPP, pois a sua celebração evita prisão cautelar, condenação criminal e seus efeitos (cumprimento de pena, reincidência, maus antecedentes etc), e o próprio processo (com todas as fases recursais).
Desse modo, conforme Fachin, eventual argumento de que o ANPP não seria mais útil ao órgão de acusação diante de uma condenação, não pode afastar a retroatividade da lei mais benéfica. “O critério da utilidade deve ser visto sob a óptica de todo o sistema de justiça criminal e dos atores envolvidos, incluindo aqui a vítima e o acusado”.
No caso concreto, pela prática de duas falsidades ideológicas, uma mulher foi condenada a um ano, sete meses e um dia de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de 14 dias-multa. Os fatos ocorreram em outubro de 2014, sendo a denúncia oferecida em novembro de 2020, quando já estava em vigor a Lei 13.964/2019 (pacote anticrime).
Essa legislação passou a ter eficácia em 23 janeiro de 2020 e, entre outras medidas, introduziu o acordo de não persecução penal ao CPP, por meio do artigo 28-A. Sem que o Ministério Público propusesse à ré a celebração do ANPP, o processo criminal de falsidade ideológica teve seguimento e sobreveio a sentença condenatória.
Após a decisão se tornar definitiva, a ré decidiu substituir a defesa para o acompanhamento da execução penal. Matheus Guimarães Cury, do escritório Cury e Moure Simão Advogados, assumiu a causa e verificou que o MP não propôs à acusada a celebração de ANPP.
Cury impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo pleiteando a aplicação retroativa do artigo 28-A, mas o seu pedido foi negado. Idêntico pleito, também sem êxito, foi formulado perante o Superior Tribunal de Justiça, motivando o advogado a impetrar recurso ordinário em habeas corpus no STF.
“No caso concreto, há ilegalidade capaz de ensejar a concessão da ordem. […] Apesar de os fatos serem anteriores à alteração legislativa, o feito ainda estava em curso quando a Lei 13.964/2019 entrou em vigor. Desse modo, imperativo é o reconhecimento do efeito retroativo do art. 28-A do CPP”, concluiu Fachin.
O ministro decidiu monocraticamente respaldado pelo artigo 192 do Regimento Interno do STF, por se tratar de matéria objeto de jurisprudência consolidada na corte. No julgamento do HC 220.249/SP (Sessão virtual de 9 a 16 de dezembro de 2022), a 2ª Turma do Supremo reconheceu a natureza mista da norma e a sua aplicação retroativa.
Fachin enfatizou ser “evidente” o caráter híbrido (material-processual) da norma do ANPP. “Embora inserida no Código de Processo Penal, consiste em medida despenalizadora, que atinge a própria pretensão punitiva estatal”. Quanto à retroatividade, ele citou que a Constituição Federal (artigo 5º, XL) prevê essa garantia.
Com a concessão do habeas corpus, o julgador determinou a imediata sustação de eventuais atos de execução penal e a conversão da ação criminal em diligência, a fim de oportunizar ao MP a propositura do ANPP, se forem preenchidos os requisitos legais. Em caso contrário, fica autorizada a retomada da execução penal.
Independentemente da decisão da 2ª Turma do STF, diante da multiplicidade de demandas relacionadas à retroatividade do ANPP e do alcance da matéria, o ministro Gilmar Mendes afetou o tema ao Pleno (principal colegiado da corte), nos autos do HC 185.913/DF, que ainda está pendente de julgamento.
Foto: Aymane Jdidi/Pixabay
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