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04/06/2022

Ministro suspende júri por excesso de linguagem e acusada de matar filha é solta

Por Eduardo Velozo Fuccia

Em razão de “excesso de linguagem” na decisão de pronúncia, o ministro Joel Ilan Paciornik, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedeu liminar em habeas corpus para suspender o júri de uma mulher acusada de matar a filha recém-nascida e ocultar o seu cadáver. O crime ocorreu em Santos, no litoral de São Paulo. Nesta sexta-feira (3), a ré foi solta da Penitenciária Feminina de Tremembé, onde estava presa desde 28 de junho de 2018, quando foi autuada em flagrante.

O júri estava marcado para o próximo dia 8. A suspensão da ação deve perdurar até o julgamento do mérito do habeas corpus, ainda sem data definida, conforme Paciornik. Em sua decisão monocrática, o ministro também determinou ao juízo da Vara do Júri de Santos reavaliar a manutenção da prisão preventiva da acusada com base no parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP).

Introduzida ao CPP pelo pacote anticrime, esta regra determina que a necessidade de manutenção da prisão preventiva deve ser revisada a cada 90 dias, mediante decisão fundamentada, sob pena de tornar a custódia ilegal. Segundo o artigo, a revisão cabe ao “órgão emissor da decisão”, no caso, o juiz Alexandre Betini.

Em atendimento à ordem do ministro do STJ, o julgador de Santos decidiu que é “impossível ser sustentada a necessidade de custódia cautelar da paciente”, porque a suspensão do júri para data ainda incerta, neste momento, afasta presença de quaisquer dos requisitos da prisão preventiva previstos no artigo 312 do CPP.

Betini revogou a prisão sob a condição de a ré comparecer a todos os atos processuais para os quais for intimada. Ele ressalvou que a revogação da preventiva não decorre de falha da Vara do Júri na condução do processo, “caso complexo e com número elevado de testemunhas”, e destacou que a suspensão do júri é devido a “determinação superior”. Na mesma decisão, tomada no final da tarde de quinta-feira (2), o juiz expediu o alvará de soltura da acusada.

Excesso x fundamentação

A defesa da ré sustentou no habeas corpus que o excesso de linguagem empregado pelo juiz na pronúncia pode influenciar os jurados em detrimento da acusada, devendo, portanto, ser anulada tal decisão. “Vislumbra-se flagrante ilegalidade na sentença de pronúncia, o que será melhor analisado quando do julgamento do mérito da presente impetração”, avaliou Parcionik, ao conceder a liminar.

Conforme o ministro, na decisão de pronúncia é feito um “mero juízo de admissibilidade”, não de mérito, a fim de que o acusado seja submetido a julgamento popular se houver prova da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria. Esta limitação na fundamentação está prevista no parágrafo 1º do artigo 413 do CPP.

Trechos da pronúncia que teriam ultrapassado os limites impostos pela legislação foram mencionados pelo ministro. Um deles é: “Não vinga a tese da acusada de pensar ter a criança já nascido sem vida ao cair no vaso sanitário. Ana Carolina tinha mesmo a intenção de tirar a vida da criança, o que restou evidenciado ao declarar aos investigadores não ter comparecido ao exame pré-natal marcado pelo corréu porque não queria ter outro filho”.

Em outro trecho destacado pelo ministro, o juiz assim se manifestou: “Todos esses elementos apontam que a acusada sabia que a criança tinha nascido com vida e ainda assim agiu para ceifar qualquer possibilidade de a criança permanecer viva ao enrolar o plástico de prender cabelo em seu pescoço, envolvê-la em um saco plástico e jogá-la do sexto pavimento do duto de lixo para o pavimento térreo”.

Na recente decisão que revogou a preventiva da ré, Betini refutou que tenha se excedido na linguagem ao pronunciá-la. “Todos os fundamentos utilizados na pronúncia ora atacada decorreram do dever constitucional de fundamentar a decisão e analisar aquilo que foi sustentado pela própria defesa, sem qualquer possibilidade de influenciar os jurados ou incorrer em excesso de linguagem”.

Entenda o caso

A ex-ginasta Ana Carolina Moraes da Silva é acusada pelo Ministério Público (MP) de matar a filha recém-nascida no apartamento onde morava, na esquina das ruas Tolentino Filgueiras e Bahia, no Gonzaga, no dia 27 de junho de 2018. Para isso, ela tentou inicialmente asfixiar o bebê, colocando elásticos de cabelos em seu pescoço.

Porém, exame necroscópico revelou que a causa da morte foi traumatismo craniano. A recém-nascida foi colocada em um saco plástico, depois jogado no duto de lixo localizado no 6º andar do edifício. Na manhã seguinte, um andarilho encontrou o embrulho com o bebê ao vasculhar um coletor na frente do prédio e avisou a polícia.

Uma nota fiscal de drogaria foi encontrada no saco junto com o corpo do bebê. Policiais civis foram ao estabelecimento, no mesmo bairro, e identificaram o homem que fez a compra no local, após confrontar a data e o horário do cupom com as imagens de câmeras de segurança da farmácia. Companheiro da ré naquela época, o comprador residia com ela no apartamento onde ocorreu o crime.

O homem foi denunciado pelo crime de favorecimento pessoal, porque auxiliou a mulher a fugir. Ele responde ao processo solto. A ex-ginasta foi localizada e presa no mesmo dia, na cidade vizinha de Praia Grande. Segundo a ré, ela estava sozinha no apartamento quando a filha nasceu e caiu no vaso sanitário. Por achar que o bebê estivesse morto, a mãe decidiu colocá-lo no saco plástico e jogá-lo no duto de lixo.

Ana Carolina foi pronunciada nos mesmos termos da denúncia, ou seja, homicídio qualificado pelo motivo torpe, meio cruel e emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima. O MP também imputou à ré o crime de ocultação de cadáver, porque ela jogou o corpo do bebê no duto para confundi-lo com o lixo doméstico das demais unidades do prédio.

Submetida a exame de sanidade mental, a acusada foi considerada semi-imputável. Segundo os psiquiatras que a examinaram, à época dos fatos, ela era parcialmente capaz de entendimento e determinação. Os peritos também afastaram a hipótese de que ela teria agido sob eventual efeito de estado puerperal, porque não foi diagnosticada depressão pós-parto. Deste modo foi descartado o delito de infanticídio, cuja pena é mais branda que a do homicídio.

Foto: Santa Portal/Arquivo

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