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29/09/2018

Perito utiliza equação matemática para inocentar primos acusados de dois assaltos

O perito judicial Francisco Martori Sobrinho concluiu em seu estudo que os réus não são os reais autores dos roubos por “absoluta divergência de dimensão corporal”

Por Eduardo Velozo Fuccia

Uma equação matemática foi a fórmula para colocar dois réus em liberdade, após quase sete meses presos. Acusados de dois roubos, um consumado e outro tentado, eles sustentam que não praticaram os crimes. Laudo do perito judicial Francisco Martori Sobrinho, endossado por comissão experts do Instituto de Criminalística (IC), atestou eles não são os mesmos captados por câmera de segurança do local de um dos delitos.

Com base na altura de uma das vítimas (1,65 m), informada por ela própria em juízo, e nas estaturas dos réus (ambos com 1,74 m, conforme medição oficial feita ao darem entrada no Centro de Detenção Provisória de São José dos Campos), Martori concluiu que os verdadeiros autores do delito, que aparecem na filmagem, têm 1,88 metro ou, no mínimo, 1,85 metro, considerada a margem de erro.

Para chegar a esse resultado, o perito judicial, contratado pela família dos réus, congelou as imagens da câmera e realizou a sobreposição delas em gabarito computadorizado. Para dar maior credibilidade ao estudo, Martori ainda levou em conta a altura de um Chevrolet Cruze (1,49 metro), conforme dados da montadora, além das estaturas dos acusados e da vítima. O carro aparece na mesma cena.

A partir desses dados, o perito desenvolveu a equação que excluiu os réus do palco do crime: 14 q = 1,65 metro; 16 q = X (altura do autor); 14 qx X = 1,65 m x 16 q; X (altura do autor) = 1,65 m x 16 q ÷ 14 q; X (altura do autor) = 1,88 metro/altura considerada com margem de erro: 1,85 m. De acordo com ele, a dupla não é autora do crime por “absoluta divergência de dimensão corporal”.

Com base no laudo, os advogados Renato Augusto de Campo e Rogério Camargo Oliveira requereram a liberdade dos acusados. Outros pedidos já haviam sido feitos e negados, inclusive, por meio de habeas corpus ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ao se manifestar sobre esta última solicitação, o promotor Flávio Boechat Albernaz opinou contra e ainda atacou a perícia.

“Inalterados os fatos que ensejaram a decretação da prisão preventiva, não há motivo para rever a decisão”, justificou Albernaz. Segundo o promotor, a análise do assistente técnico, devidamente habilitado para atuar no processo e com larga experiência, não é “trabalho de perito”, padecendo o seu estudo de “erro grave quanto à metodologia”, cujas “conclusões, em verdade, são construídas com o objetivo de levar o juízo a erro”.

O juiz Carlos Gutemberg de Santis Cunha, da 4ª Vara Criminal de São José dos Campos, acolheu as razões do representante do Ministério Público para manter a preventiva dos réus. Porém, a juíza Marise Terra Pinto Bourgogne de Almeida deferiu pedido da defesa para que o laudo de Martori fosse examinado pelo IC e, na hipótese de erro, o instituto apontasse qual seria o resultado correto.

Ineditismo

Diretor do Núcleo de Perícias Criminalísticas de São José dos Campos, Silvio Luiz Ramos Garcez reconheceu o ineditismo do procedimento do assistente técnico, informando à juíza a necessidade de se formar comissão de quatro experts para analisar com precisão o laudo. Finalizada a revisão, o colegiado do IC concluiu que o parecer de Martori “está dentro do valor calculado pela metodologia desenvolvida por esta comissão”.

Com o IC referendando o trabalho do perito judicial, a defesa voltou a requerer a soltura dos réus por ficar “comprovado tecnicamente” que são inocentes, inexistindo indícios suficientes de autoria para embasar a preventiva. Mais uma vez, o promotor Albernaz se posicionou contra a liberdade dos acusados por não ter havido “qualquer alteração dos fatos que justificaram a prisão”.

No entanto, o juiz Santis Cunha acolheu o requerimento dos advogados. “Havendo dúvidas acerca da autoria, a fim de não causar maiores prejuízos aos acusados, concedo-lhes, agora, o benefício da liberdade provisória”. Os réus tiveram os seus alvarás de soltura expedidos e passarão responder ao processo livres. Os defensores acreditam na absolvição, porque o IC endossou o parecer do assistente técnico.

O IC já havia examinado a mesma filmagem, mas de modo inconclusivo. Nas considerações finais deste parecer técnico consta que “não foi possível realizar o confronto das imagens dos rostos dos criminosos ampliadas dos vídeos das câmeras de segurança com as imagens da audiência de custódia, uma vez que a qualidade das imagens e sua nitidez são muito baixas, o que impossibilitou a identificação de tais faces”.

Presos sem nada

A prisão em flagrante dos primos Pietro de Oliveira Bueno, de 21 anos, e Carlos Pietro Gomes de Souza, de 20, aconteceu na noite de 27 de fevereiro desde ano. Abordados por policiais militares, que os agrediram, segundo disseram em seus interrogatórios judiciais, eles foram reconhecidos por uma mulher e uma adolescente, sendo autuados no plantão da Delegacia Seccional de São José dos Campos.

Antes de os rapazes serem levados à delegacia, a mulher os reconheceu por meio de fotografia enviada pelos PMs por meio do aplicativo WhatsApp. Ela teve roubado o seu Honda Fit por dois homens, que depois usaram o carro para tentar tomar o celular da adolescente, na frente da casa dela, em outro bairro da cidade. Posteriormente, o veículo foi achado abandonado em um terceiro lugar.

Ao serem detidos, os primos não portavam nada de irregular e as suas roupas não coincidiam com as vestidas pelos autores dos dois assaltos. Esse fato foi apontado pela defesa, mas a Justiça não o levou em conta. A mãe de um dos jovens descobriu imagens de uma câmera de segurança que mostram o filho e o outro acusado em bairro diferente do qual onde houve o roubo do Fit, seis minutos antes desse crime.

Os advogados também requereram a juntada dessa filmagem ao processo, porque a distância entre os dois lugares varia de 2,7 a 2,9 quilômetros ou 34 a 37 minutos de caminhada. Esse cálculo foi realizado com base no aplicativo Google Maps. Porém, os vários pedidos de liberdade dos réus foram infrutíferos na 4ª Vara Criminal de São José dos Campos, no TJ-SP e no STJ, até que o IC confirmasse o laudo do assistente técnico.

 

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